Cajueiro,
cajueiro!
Wanderlino
Arruda
De
quando eu vi mais cajueiros, na minha vida, foi viajando com
Olímpia, entre Fortaleza e a cidade de Apodi, no Rio
Grande do Norte. Não somente dez, vinte ou cem, mas
uma floresta, uma mata, um reflorestamento de cajueiros, uma
dessas ajudas que o homem presta à Natureza, aumentando
a beleza e a utilidade, no espaço e no tempo. Três
pintores, mestres e amigos, o Konstantin Christoff, o Godofredo
Guedes e o Samuel Figueira muito me ensinaram a respeito de
tonalidades do verde, principalmente o Godofredo que é
um apaixonado pelas paisagens e pelo exato matiz de troncos
e de folhas. Mas, nenhum deles poderia imaginar quanta luz,
quanta transparência poderia existir numa mataria de
cajueiros do Nordeste, desde o verde róseo-amarelado
ao quase negro, tinto e retinto, e ao de tom ferrugem com
tendência ao branco de prata, tudo uma miscelânea
de gostoso colorido, sedutor-gratificante, só encontrável
em faixas do litoral.
Fruto de leituras, beneficiário ou vítima da
divulgação moderna, cada vez mais repetitiva,
a minha paixão chega a provocar saudade de seres que
não conheço, entre eles três cajueiros,
dois das letras, o primeiro de Humberto de Campos, em Parnaíba,
e os outros, de Rubem Braga e de Roberto Carlos, ambos em
Itapemirim, no Espírito Santo. Lembro-me de um dia,
num jantar do Rotary de Teresina, quando cheguei a combinar
com o prefeito de Parnaíba uma viagem, para conhecer
o velho companheiro e filho vegetal de Humberto, mas não
tive a sorte de poder cumprir a promessa. Tenho desse cajueiro,
entretanto, um presente material, auxiliado por minhas próprias
mãos de plantador: eis que o meu amigo Francisco Narciso,
Chiquinho Almeida Castro, me trouxera, de uma das suas viagens,
algumas castanhas, que plantadas, já se vêem
duas árvores do meu quintal. Lindas, lindas.
Mas não é dos cajueiros de longe que eu quero
falar, quero deitar as minhas lembranças, quero sonhar
os meus sonhos. A minha saudade de hoje é do cajueiro
da pensão de D. Duca, aqui mesmo em Montes Claros,
na rua Dr. Santos, do mesmo casarão em que funciona,
hoje, o Prontocor, com aquele comprido corredor, quartos de
um de outro lado, salas e cozinha no fundo, antes de pátio.
Ali existia o mais amigo de todos os cajueiros da minha mocidade,
esguio, durão, solícito, de tronco flexível,
com galhos tão bem proporcionados na distribuição,
que mais parecia uma escada ao prazer, momentos de férias
de cada manhã e de cada tarde, depois do trabalho.
Eu o chamava planta da benevolência, porque, em nenhuma
parte do ano, faltava-me cm os seus frutos. Não me
lembro de ter tido qualquer decepção com ele,
assim como um amigo de todas as horas.
Outros companheiros de pensão, estudantes, como o Enock
Sacramento, o José Jorge, o Passarinho, o Deoclides,
também aproveitavam de vez em quando, se eu dava alguma
folga. Até os sisudos Wilson Bessa, Luiz Gonzaga e
Pedroso chegaram a tirar proveito, disso tenho certeza. Uma
só coisa me intriga: depois de tanto tempo, e me pergunto
se D. Duca ou o “seu” João Guimarães
não se importavam com esse muito xodó que tínhamos
pelo seu cajueiro, coisa até de desconfiar...
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