Voltando
bons anos na linha do tempo, todos os
passos possíveis da lembrança
de menino, vejo com enorme alegria a bonita
e charmosa moça Honorina Morais,
princesa de encantos da fazenda do meu
avô, numa beira de estrada de Salinas.
A casa sempre cheia e movimentada de conversas,
gente entrando e gente saindo, meu avô
contando estórias na varanda, vovó
Ritinha comandando a cozinha e o pessoal
do trabalho da casa. No terreiro, entre
o curral e a entrada, o jardim com plantas
em jiraus e canteiros; no quintal, uma
riqueza só: galos, galinhas, capãos,
cocás, perus, um pavão com
ares de senador chefiando tudo; no pomar,
a algaravia dos pássaros, meninos
armando quebras e arapucas, o chão
coalhado de frutas caídas. Um paraíso
de doçuras, um mundo encantado!
A família do meu avô João
Morais era bem grandinha, muitos filhos
e muitas filhas, filhos de criação,
filhos dos agregados, entre eles o mais
temido era o meu primo Preto e o mais
querido era Zé Pequeno, pau pra
toda obra. Dos homens, tio Armindo e tio
Agenor já casados; das mulheres,
casadas eram tia Diolina, tia Maria, tia
Ormezinda e Anália, minha mãe.
No time de solteiros, tio Abílio,
tio Agenor, Tio Argemiro, tia Nininha
e tia Honorina, tia Honorina sempre a
mais ativa, a mais bonita, a dona das
festas. Com ela e por ela, saía
do forno um universo de gostusura: biscoito
fofão, biscoito espremido, biscoito
cozido-e-assado, manuê, bolo de
fubá, pão sovado, além
de broas e roscas; do fogão à
lenha, goiabadas, marmeladas, doce de
leite, de manga, de mamão enroladinho,
doces de casca de laranja, suspiros, sonhos
e quindins. Eta mão boa! Se era
tia Honorina que tinha feito, todo mundo
queria, principalmente quando vovó
mandava a gente pegar leite na despensa,
aquele leite grossão, cheio de
nata, tão espesso que vovó
não dizia “tomar leite”,
falava “comer leite”.
Em todo o universo da casa de vovô
João Morais e vovó Ritinha,
o nome sempre mais falado era o de tia
Honorina e tio Armindo, ele porque era
quem sabia ganhar dinheiro, muito dinheiro,
rico desde rapazinho; ela porque era a
mais prendada, a mais admirada por ser
portadora de todas as habilidades que
uma fazenda exigia. Precisávamos
assar uma codorna, limpar um peixe, fazer
uma gemada?! - era sempre ela que dava
encaminhamento. Boa ouvinte, ficava ao
lado de vovô, quando todos se sentavam
para ouvir os causos de Lampeão,
da Princesa Magalona, dos Doze Pares de
França e dos revoltosos que passaram
por lá e obrigaram todos a se esconder
no mato por mais de um mês. Tia
Honorina era quem dava conselhos, pregava
botões, serzia meias, escrevia
cartas, fazia remendos quando a gente
rasgava a roupa. Moça inventiva
e prática que não podia
faltar hora nenhuma.
Lembro-me de tia Honorina viajando de
silhão, com chapéu de camurça,
calça largona quase atrapalhando
as esporas. Era boa cavaleira e chegava
a carregar a meninada no cabeçote,
como faziam tio Abílio e tio Agenor.
Lembro-me de tia Honorina rezando rosário,
embora preferisse o terço porque
era mais curto e a reza não demorava
tanto. Na hora de dormir, ela mandava
os meninos lavarem os pés e rezar
para os anjos de guarda. Ninguém
podia dormir nu, porque senão o
bicho aparecia. Quem tivesse medo do escuro,
podia dormir com uma lamparina de azeite
ou um fifo que tinha de bem longe da cama,
para não correr perigo de fogo.
Assim, era ela que distribuía sorrisos
dia e noite, de manhã e de tarde.
Quando a gente acordava, era a primeira
a perguntar se já tinha rezado
para que o dia pudesse ser tranqüilo
e cheio de coisas boas.
Falei de tia Honorina em horas do almoço
e de janta? Falei do casamento, do nascimento
de Edes, de quando ficou viúva?
Falei não, são causos que
ficam para outra crônica, com muitas
novidades.
Agora que tia Honorina completa bonitos
oitenta anos de vida, com amorável
comportamento no que ela é e em
tudo que faz, com incondicional multidão
de amigos, os abraços meu, da Olímpia,
dos sobrinhos e netos e... do mundo todo.
Feliz aniversário, tia Nora, melhor
tia do mundo!
(Professor,
cronista, poeta, membro da Academia Montesclarense
de Letras)