Os
riachos sempre deságuam nos rios, que correm para o mar.
Assim quer o destino das águas, que se assemelha ao destino
dos homens. Um insignificante curso d'água brota da nascente,
cava seu leito no chão e segue. Percorre seu caminho peregrino
e cumpre a sorte de afluente, com resignação, ao despejar
a corrente no primeiro rio que encontrar em sua viagem a
caminho do mar.
Parece que é essa a estrela dos humildes cursos d'água.
O rio Itacambiraçu, típico rio de montanha, que corre entre
pedras e despenhadeiros, tem caudal forte e traiçoeira,
e recebe uma porção de pequenos afluentes, de sua cabeceira
até a foz, no lendário Jequitinhonha. Um deles, o Ribeirão
do Inferno, aurífero, diamantífero, que desce das alturas
do céu, banha a cidade de Grão-Mogol e deposita suas águas
ferruginosas no leito alvejante do Itacambiraçu, após uma
corrida desabalada, de corredeira, como se fosse o próprio
oceano que o aguardasse no final da jornada.
Outro afluente, o Córrego das Mortes, despenca a prumo da
serra, cantando nas cachoeiras, e busca o baixio do Vau,
onde se entrega, submisso, às águas turbulentas do rio maior,
que o tragam, do mesmo modo que a baleia engole um cardume
de peixes miúdos.
Há, porém, na bacia um riacho que não aceita a sina de ser
mais um afluente apressado do Itacambiraçu, negando-se a
oferecer-lhe o tributo da sua linfa, que guarda para o mar,
como o fazem o Jequitinhonha, o Pardo, o São Francisco.
Ele nasce a poucos passos do Itacambiraçu - um murmúrio
brotando da areia, sob a ramagem - e, ao invés de buscá-lo,
para desaguar em seu leito caudaloso, prefere cainhar ao
seu lado, mantendo distância respeitosa.
Os moradores daquelas bandas dizem que o riacho é orgulhoso
e sonha em despejar sua corrente nas profundezas do mar.
Isso é verdade, embora pareça lenda, pois, quem, observar
o vale do alto da serra poder ver, claramente, o Itacambiraçu
caminhando lado a lado com o pequeno riacho, que mantém
sempre a mesma distância
de seu poderoso vizinho e parece até ignorar sua presença
majestosa. Sucedem-se corredeiras e saltos, o vale descreve
caracóis entre as serras, e nada faz ao riacho acostar-se
ao rio. Os dois caminham indiferentes, para o rumo do oceano,
carregando suas canastras de ouro e diamante.
A água doce caminha ao encontro da água salgada, seu destino.
O riacho pensa que é rio, e lá vão os dois andarilhos, cada
qual na sua estrada, cada qual com sua sina, a caminho da
comunhão sagrada do mar. Vistos de longe, ora parecem um
homem e um menino, o pai e o filho; ora parecem um cavaleiro
solitário e seu cão fiel. Próximos, mas separados.
... E o riacho orgulhoso chega ao fim de sua peregrinação
sem prestar vassalagem ao seu poderoso vizinho. Não despeja
no mar, despeja no Jequitinhonha, tal qual seu companheiros
de viagem. Deságua satisfeito, honrado e pecador. Por isso,
o povo que anda pelas serras - o garimpeiros, caçadores,
pescadores, carvoeiros - concedeu-lhe a patente de rio e
o trata, respeitosamente, de Rio Soberbo.