Construtores
de Montes Claros. [Projeto Gráfico de Dário Teixeira
Cotrim e José Rodrigues F. Júnior] - Montes Claros
- Minas Gerais - Editora Cotrim Ltda. 2011.
Autobiografia
148 p.
Conteúdo:
I. Literatura Brasileira - Autobiografia I. Título
CDD B869.1
GRÁFICA
EDITORA MILLENNIUM LTDA.
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2011
Wanderlino
Arruda
ÍNDICE
Prefácio
- 7
Adélia Miranda - 9
Ângelo Soares Neto - 11
Armindo Morais - 15
Augusto Otávio Barbosa - 17
Cândido Simões Canela - 19
Consul Fernanda Ramos - 21
Corbiniano R. Aquino - 25
Darcy Ribeiro - 27
Dário Teixeira Cotrim - 29
Dina Paulino Correia - 31
Doutor José Rameta - 33
Edmilson Oliveira Paz - 35
Enéas Mineiro de Souza - 37
Evany Cavalcante - 41
Ezequiel Pereira - 45
Godofredo Guedes - 47
Haroldo Lívio de Oliveira - 51
Hermes Augusto de Paula - 53
Hermes de Paula e o Folclore - 57
Irmã de Lourdes - 59
Isau Rodrigues de Oliveira - 61
Ivan de Souza Guedes - 65
João Chaves - 69
João de Paula - 71
João Luiz de Almeida - 73
João Valle Maurício - 77
José Comissário Fontes - 79
José Gonçalves de Ulhoa - 81
Karla Celene Campos - 83
Konstantin Christoff - 87
Konstantin e Samuel - 89
Laércio Vitalino Pimenta - 91
Lisbela Alcântara - 93
Luiz de Paula Ferreira - 95
Manoel Quatrocentos - 99
Maria Luiza Silveira Teles - 103
Maria Oliveira - 105
Marina Lorenzo Fernandez - 109
Mary Figueiredo - 111
Monsenhor Osmar - 113
Nathércio França - 115
Neco Santamaria - 117
Nelson Vianna - 119
Osmar Cunha - 121
Padre Adherbal Murta - 123
Pedro Martins Sant’ana - 125
Petrônio Braz - 127
Reivaldo Canela - 131
Roque Ferreira Barreto - 133
Rufino Coelho - 137
Ruth Tupinambá Graça - 139
Sebastião Mendes - Ducho - 141
Wagner Durães - 143
Alguns dos Construtores de Montes Claros - 145
PREFÁCIO
.................A iniciativa do
mestre das letras, doutor Wanderlino Arruda, em escrever crônicas
sobre as personalidades que construíram a nossa aldeia,
por si só já representa uma tarefa das mais gratificantes.
É será sempre assim por toda a sua existência,
pois só quem ama o que faz é capaz de fazer bem
feito, com desprendimento, amor e extremosa dedicação
um trabalho textualista dessa magnitude. Escrever sobre os personagens
ilustres de nossa terra, principalmente aqueles que já
não estão mais entre nós, é um ato
de carinho, de afeição e de elevada valorização
à figura humana, haja vista que esses nobres montes-clarenses,
incluindo aqui, evidentemente, o próprio autor desta
influente obra, deixaram um rastro luminoso de mimo à
nossa querida cidade de Montes Claros, que a todo instante vem
despontando no cenário nacional como um aldeamento repleto
de valores intelectuais.
.................Pois, sendo assim,
podemos dizer que o livro do doutor Wanderlino Arruda, “Construtores
de Montes Claros”, é um compêndio de crônicas
alusivas a essas pessoas que participaram – e ainda participam
– do desenvolvimento cultural de Montes Claros. Escrito
no melhor estilo de sua lavra poética, pleno de informações
onde a invenção literária eleva a língua
portuguesa até o limite máximo de sua criação.
Por outro lado, o significativo fato de constar do seu trabalho
- “Construtores de Montes Claros” - os mais belos
elogios aos confrades de Academia Montesclarense de Letras e
do Instituto Histórico e Geográfico de Montes
Claros, isso evidencia o seu amor às instituições
que tanto preza e admira.
.........Por tudo isso, podemos
dizer que o acadêmico Wanderlino Arruda, o mais importante
dos mais importantes construtores de Montes Claros, mostra com
doce encantamento, aos seus brilhantes pares das plêiades
acadêmicas, um trabalho sério, bonito, competente
e totalmente necessário às novas gerações
no conhecimento dos nossos valores intelectuais. Nota-se que
“o único lugar onde o sucesso vem antes do trabalho
é no dicionário” e Wanderlino Arruda, sabiamente
entendeu as palavras do genial Albert Einstein, e trabalhou
com afinco e determinação na construção
da nossa comunidade. Aliás, este livro representa o que
de melhor produziu a literatura montes-clarense nestes últimos
tempos. Ele é uma obra de fundamental importância
para o estudo da história de Montes Claros. Um livro
que certamente estará em todas as estantes de bibliotecas
públicas e particulares, bem assim de acadêmicos
e estudiosos dos nossos costumes e das nossas tradições
históricas. Por conseguinte, guardar esses nomes e preservá-los
em livros para que a memória do nosso povo possa perpetuar-se
no tempo e no espaço, é um dever de todos nós,
membros do Instituto Histórico e Geográfico de
Montes Claros e da Academia de Letras. Portanto, está
de parabéns o colega e amigo Wanderlino Arruda pela sua
relevante iniciativa em produzir e trazer para os seus amigos/leitores
uma obra que demandou redobrados esforços em reunir num
só volume os mais valiosos construtores da história
de Montes Claros. Uma obra tão necessária e tão
esperada por todos aqueles que desejam conhecer um pouco mais
sobre a nossa terra e os seus insignes benfeitores.
Dário Teixeira Cotrim
Presidente do IHGMC
ADÉLIA
MIRANDA
.........Quase
fim de 1988, vejo hoje Adélia Miranda, doce e querida
amiga, como a vejo e tenho visto desde os dias em que, quase
menino, cheguei a Montes Claros. Ela, também garota,
novinha, estudante não me lembro se do Colégio
ou do Instituto, era colega de Mary, filha de Dona Tonica, proprietária
da pensão onde fiquei morando. Adélia fazia parte
de um lindo grupo de Tiana Osório, Belvinda e Lola Chaves,
amigas da Mary, tudo gente fina, do melhor trato, um resumo
social do melhor que havia. Não demorou muito e todas
se viram ligadas a mim, acredito mais pelo inglês que
eu sabia e lhes era útil do que propriamente pela minha
alegria de viver e pelo meu espírito brincalhão
que as fazia rir o tempo todo. Elas granfinas, elegantes, bem
postas na vida. Eu, pobre estudante e balconista de duas mudas
de roupa, um só par de sapatos, provinciano, salvando-me
apenas pela garra de trabalho e estudos e pela confiança
no destino que poucos jovens do mundo poderiam ter.
.........Mentalmente,
escrevendo esta crônica, vejo Adélia ainda em nossa
sala de estudos da casa de Mary, janela para a Rua Afonso Pena,
esquina com a Padre Marcos, aquele bequinho que saía
do Colégio. Fugindo das horas movimentadas do almoço
e do jantar, o ambiente fazia silêncio para as almas jovens,
interessadas e estudiosas. Pouco se falava de namoros, de cinemas,
de “footing”, mas muito de gramática, de
história, de geografia, de latim, territórios
em que eu, mesmo nos primeiros dias, já circulava com
a maior desenvoltura, inclusive com experiência de redação.
Tempo gostoso e bom, quando eu me sentia importante, bem visto,
cortejado por uma admiração que
podia ser notada facilmente nos olhos de cada uma. Afinal, como
podia aquele garoto de São João do Paraíso
saber tanta coisa que a escola não lhes ensinara? Adélia,
então, chegava a fazer-me confidências do quanto
os nossos encontros eram agradáveis e proveitosos. Ninguém
faltava. Ninguém atrasava. Era satisfação
que transitava em todas as direções!
.........Muitos anos depois, já
longe das escolas secundárias, separados pelo trabalho
e pela própria dinâmica da vida, vejo-me, de novo,
junto a Adélia nos primeiros dias de Faculdade de Filosofia,
quase no mesmo espaço geográfico da pensão
da mãe de Mary, uma vez que a FAFIL se instalou exatamente
no prédio do Colégio das irmãs. Lá
estava Adélia, secretária de todas as horas, doçura
de amizade, consideração sem igual, sempre presente
em alma jovem e sincera, raro privilégio da vida. Adélia
da mesma simpatia, sabor de mel no convívio ameno e prazeroso,
suave em todos os momentos! “Quem não gosta de
Adélia, de quem gostará?”, eterna pergunta
que a beleza de sua própria voz apresenta nos cantos
das serestas tão vivas de Montes Claros! Doce Adélia,
que agora completa vinte e cinco anos de FAFIL, tão amada
quanto no início! Estimada, admirada, querida de todos,
linda presença de uma eficiência sem igual. Adélia,
a própria FAFIL! Se não existisse, teria de ser
inventada!
.........De todos estes anos de
FAFIL, também com Belvinda, com Lola, com tantos e notáveis
companheiros e companheiras de estudo e de trabalho, jamais
será esquecida a figura quase santa de Adélia
Miranda, grande secretária! Para este primeiro quarto
de século, muitos tributos ainda serão cobrados
em favor da importância do trabalho de muitos dirigentes,
de centenas de professores, de funcionários estimadíssimos,
até de um punhado de bons alunos. Nenhuma figura, entretanto,
em nenhuma época, será tão importante como
a de nossa doce Adélia, grande Adélia Miranda
amada e protegida de Deus e de todos os deuses da amizade e
do amor!
.........Que o futuro lhe seja
sempre luminoso e cheio de sonoridades. Tão lindo como
as suas melodias na seresta de nossa Minas Gerais!
ÂNGELO
SOARES NETO
.........Já
não é mais tempo de escrever sobre o “Hotel
Cachoeira de S. Felix”, considerado o grande tempo que
nos separa do lançamento feito em Montes Claros pelo
meu amigo e colega Ângelo Soares Neto. Faço-o,
entretanto, considerando, agora a eleição do Ângelo
para a Academia Montes-clarense de Letras e sua posse festiva
em janeiro que vem. É, assim, uma lembrança muito
grata da leitura que fiz há dois anos, do romance escrito
em Salvador pelo montes-clarense de Taiobeiras, o amado filho
de D. Laura. Acrescente-se também a recordação
de um interessante discurso feito no lançamento por Ubaldino
Assis, tio e conselheiro do romancista, um desfilar de apontamentos
entre o racional e o apaixonado, coisas de quando o Ângelo
era garoto, menino de recados do Banco do Nordeste, aluno do
velho Instituto do Dr. João Luiz.
.........O tempo passa, a experiência
amadurece, as visões e as realidades da paisagem de muitos
pedaços de Brasil vão se fixando na memória
do escritor. A imensidão de Brasília, o vertical,
o horizontal, as linhas curvas da arte de Lúcio Costa
e de Niemeyer, a busca da solidariedade, o mando, o asfalto,
o agreste, a imensidão do planalto de Goiás, tudo
fica retido. Ao lado ou como superposição, o mar,
o verde mar de Iracema, a lagoa azul de Iracema, a praça
do Ferreira, a Aldeota, a cajuína, o caju, a graviola,
o mercado, o calor de Fortaleza e, como símbolo do Ceará,
a serra do Baturité. De longe, como memória de
infância, o gerais, o serrado, o frio, a garoa, os pequis
de Taiobeiras. Muito de Irecê, de Itabuna, de Propriá,
de Guanambi, um mundo, um mundão desta terra descoberta
por Cabral.
.........De Montes Claros, Ângelo
revive uma gostosa vida de menino levado, parada dura no Grêmio
do Instituto Norte Mineiro, curso de contabilidade, primeiras
namoradas, feijão-tropeiro, torresmo, quebra-queixo,
seresta, cinemas aos domingos para ver os seriados, conversas
perdidas na frente da casa de Konstantin, solteirão da
rua D. João Pimenta. Acredito que, além da diversão
que era muita, aconteceu também muita leitura nos escritos
de Cândido Canela, Olyntho e Yvonne Silveira, Nelson Viana,
João Chaves, substrato que floresce, hoje, em muitas
de suas ideias.
.........Claro que a evidência
maior é mesmo a da cidade de São Salvador, principalmente
do Largo do Pelourinho, campo de batalha antigo de estudantes
e intelectuais e atual de prostitutas e viciados, vivendo eternamente
de batidas da polícia. De Salvador, Ângelo revive
seus melhores anos de Banco do Nordeste e da Faculdade de Direito,
mas, principalmente, da pensão-hotel-república,
mundo de suas aventuras de amor e perdição. Professor
de dança para americanas, guia turístico de fala
francesa nos fins de semana, foi ele um jovem cidadão
baiano no Farol da Barra, no Terreiro de Jesus, na Praça
Castro Alves, na Avenida Sete, na granfina Rua Chile, para não
falar das incursões do Mercado Modelo, da Feira da Água
dos Meninos, nas praias de Amaralina até Itapoã.
Dir-se-ia um universo de contradições do maravilhoso
pagão e do místico cristão, produto da
mescla cultural que só a Bahia consegue ter e reter.
.........“Hotel Cachoeira
de S. Félix” é um livro de confissão
à moda de Darcy Ribeiro, em “O Mulo”. De
repente, o autor se deita num divã do analista e começa
a contar suas experiências, suas vivências, a vida
das pessoas que passaram por sua vida. Pensa e sonha com o que
foi real, dando mais forças aos temperos das comidas
e no doce sabor dos beijos das namoradas ou das mulheres de
encontros sem compromisso. De repente, o autor descobre na força
telúrica dos homens e mulheres rudes do campo, do casamento
do indivíduo com a natureza, das paixões de baixo
de cobertores domésticos ou dos lençóis
enxovalhados das casas de tolerância, um universo de perfumes
de mocinhas de boa família e de fêmeas de brilhantina
barata, tudo numa vida mais agitada que um furacão ainda
por explodir.
.........Felizmente, o autor fala
também de artes, de sentimentos, de ternuras, de doces
carícias, de inocência, de momentos em que um minuto
vale por um milhão de séculos, onde o passageiro
é a eternidade. Tudo uma fotografia verbalizada do acontecido.
Quando registrada, a palavra não passa!
ARMINDO
MORAIS
.........Os
revoltosos iriam chegar a qualquer hora e, para passar por Salinas,
a fazenda do meu avô João Morais tinha que ser
caminho obrigatório. Como esperá-los seria loucura
ou, no mínimo, ato bem arriscado, todo o pessoal da fazenda
tratou depressa de tirar o time de campo e descobrir o lugar
mais isolado e seguro que fosse possível encontrar. Aliás,
isso não seria problema, pois, quem mais conhece mesmo
a sua fazenda é o fazendeiro. Meu avô deu ordens
expressas para que levassem de um tudo, o necessário
para uma agradável aventura de pelo menos trinta dias:
material de cozinha, roupas de
dormir e de vestir, vacas de leite, garrotinhos de carne macia,
porcos, cabritos, frangos e galinhas, capões, todas as
abóboras e maxixes e raízes de mandioca mansa
que pudessem tirar, sal, tempero, rapadura, açúcar
de pedra, e mais todos os etcéteras – etcéteras.
Também o mais importante para os trinta dias de festas:
pandeiros, violões, sanfonas e um ou outro garrafão
da melhor pinga do alambique, não muita, porque minha
família nunca foi de beber lá esse tanto.
.........Quando penso nessa proeza,
não posso fugir à lembrança de saída
dos judeus para a Terra Prometida, com Moisés e Josué
dirigindo o povo com todos os animais e todos os terecos de
valor. Para governar o rebanho, foi nomeado o filho mais velho,
o mais ajuizado, o defensor intransigente do patrimônio,
já quase em ponto de se casar, o Armindo Morais. Todos
contam, ainda hoje, da pequena viagem, como uma grande saga,
um ato de alegre heroísmo, um descontra-ído sacrifício
de velhos e jovens, de patrões e agregados, Mamãe
conta que, mesmo nas paradas para o descanso das mulas de carga,
o sanfoneiro tinha de tocar e a dança era obrigatória.
Para qualquer fomezinha, morria logo uma leitoa, o arroz com
carne, cozinhava fumegando de gostoso. Todos gozavam a vida
e só o Armindo dava o toque de responsabilidade no verdadeiro
serviço, só ele comandava para assunto sério.
.........Conto esta estória
para dizer que talvez tenha sido nesse imprevisto contra-revolucionário
de 1926 o grande início de vida do meu Tio Armindo, um
homem de sessenta anos de trabalhos, do dia que se entendeu
por gente até a hora final por acidente numa fazenda
do Pará. Todo o tempo de sua existência foi tempo
sem férias ou feriados e, como não podia deixar
de ser, a última viagem era também de serviço.
O melhor descanso – dizia – era um bom exercício,
uma atividade para ocupar a cabeça, dar tratos ao juízo.
Quando sentiu terminar sua tarefa de fazer as fazendas de Salinas,
Cachoeira de Pajéu e numa espécie de sesmaria
que comprou de Filomeno Ribeiro pelas bandas do Rio Caitetu,
pulou de fronteiras e iniciou um novo império nas matas
da Amazônia. Não era homem de pequenos lotes de
terra, era um bandeirante e um colonizador, seja em Salinas,
seja em Montes Claros.
.........Foi conversando com Tio
Armindo, aconselhado-o e dele recebendo conselho, interrogando-o
sempre sobre a importância da terra e da vida, sobre a
pragmática do trabalho e a vantagem de saber pensar,
é que criei dentro de mim um grande respeito pelo fazendeiro,
pelo homem do campo, a única nação de gente
que sabe unir o suor à meditação, sabe
remoer calado as fatias de beleza de todas as horas do dia.
AUGUSTO
OTÁVIO BARBOSA
.........Se
ainda estivesse materialmente entre nós, Neném
(Augusto Octávio) Barbosa estava completando quase cem
anos de vida de trabalho e interesse por tudo quanto era bonito
nas pessoas e na Natureza. Foi um mês de abril, tempo
de sol e fim de estação chuvosa que ele nasceu
para ser sertanejo e desbravador, estudioso de todas as horas,
homem da fazenda e do comércio, observador do código
de ética maior que pauta a existência dos grandes
homens. Educado, fino, sabia falar à inteligência
e ao coração, sempre excelente ouvinte, ponderado
como ninguém. Um cavalheiro de tempo integral!
.........Se estivesse ainda conosco,
se estivesse fisicamente à disposição dos
amigos - que eram muitos – Neném, mesmo com a muita
idade, ainda estaria prestando relevantes serviços, sempre
pronto e bem preparado para dirigir e aconselhar. Era um notável
fixador de caminhos, orientador de rotas, finíssimo
arquiteto de muitos projetos de vida. Bom leitor, de várias
horas de leitura por dia, Neném Barbosa era possuidor
de uma vasta cultura, qualidade intelectual tão grande
que se posicionava ao mesmo nível da cultura da esposa
e professora Dona Jenny, assim como da querida filha Luizinha,
esta uma das mulheres mais inteligentes e mais dedicadas ao
saber filosófico e literário da história
de Montes Claros.
.........Chego a acreditar que
grande parte dos conhecimentos de Luizinha tenha vindo de Neném
Barbosa, seu eterno preceptor. Os dois foram sempre uma bela
união de vontades, uma definitiva sintonia de valores.
.........Luizinha
Barbosa está aí para demonstrar o quanto Augusto
Octávio, seu pai, foi importante em sua vida e quanto
ele foi importante para a cidade e para a região. E o
que ela sabe, o que ela é, o que ela vê como obrigação
de dirigir, organizar e manter o patrimônio da sensatez
de Neném é algo que só a fibra de uma grande
mulher pode garantir.
.........Eterna secretária
do pai e de Dona Jenny, Luizinha segue uma trajetória
que Neném traçou e que precisa ser preservada.
Para que o leitor tenha uma ideia do legítimo pensamento
de Augusto Octávio Barbosa, transcrevo, em fim de comentário,
um texto que ele me ofereceu em setembro de 1975, que poderá
ser a marca de muitas vidas. Ei-lo, para proveito de quem me
lê: “Deus, Dai-nos a graça da moderação,
o privilégio de sermos gratos. Que todos os nossos atos
sejam pautados dentro do bom senso; que as nossas palavras só
sejam liberadas depois que passarem pelo crivo da censura íntima.
Ajudai-nos, Senhor, a agir com ponderação e não
perder o domínio de nós mesmos, principalmente
quando recebermos agressões verbais que atinjam nosso
amor próprio.
.........Nessas ocasiões.
Pedimos a Vós não nos deixar ser tomados pela
cólera, tóxico maligno que leva à precipitação
e intemperança, contribuindo para o exceder-nos, dando,
quase sempre, como discussões acaloradas que, no resumo,
nada de proveitoso nos deixam. Suplicamos auxiliar-nos a evitar
palavras inúteis e a servir da paciência e do silêncio
como instrumentos preciosos para contarmos as situações
difíceis. Eterna a boa memória, a saudade dos
bons tempos de convívio com Neném Barbosa!
CÂNDIDO
SIMÕES CANELA
.........Grande
Poeta, de nome nacional, pois vencedor de concursos em outros
estados, mesmo à revelia, sem ser candidato. Homem de
sensibilidade, coração à flor da pele,
teve todo o tempo voltado às atividades intelectuais,
coisas do espírito. Cândido, mais do que montes-clarense,
era um sertanejo autêntico, amante de tudo que era do
povo simples, verdadeiro. Conhecia profundamente as minúcias
do falar e do viver da gente norte-mineira: sua poesia, sua
prosa mais do que típica, suas manias, tudo! Nada havia
de oculto para ele. Era um desnudador de consciências,
fosse através da observação pessoal, fosse
por meio do diálogo franco, que sabia aproveitar em cada
minuto da vida, principalmente no que se referia à natureza,
sua maior paixão.
.........Conheci Cândido
Canela desde que cheguei a Montes Claros no início da
década de cinquenta. Sempre tive dele como homem público,
político, poeta, escritor, leitor, a melhor das impressões.
Sempre admirei grandemente sua luminosa inteligência,
sua capacidade de absorver o lado interessante de um gesto,
de um olhar, ou de uma expressão. Lírico, sagaz,
irônico, irreverente, era às vezes, um santo, um
puro de coração, e, em muitas, um interessante
crítico das falsidades humanas. Uma situação
nunca era encontrada em Cândido Canela: a neutralidade.
Ele estava sempre contra ou a favor dos acontecimentos, das
pessoas ou das coisas. Parece que nunca aprendeu as lições
do silêncio, pois em tudo tinha de emitir sua opinião.
Tinha e sabia ter seu lado da verdade.
.........Para
Cândido, como também era para Fernando Pessoa,
o valor das coisas nunca estava no tempo em que elas duravam,
mas na intensidade com que aconteciam. Em toda a sua vida de
muito cérebro e muito coração, sempre sensíveis,
todos os momentos foram de intensa experiência de vida,
seja na família, no trabalho do Cartório, na imprensa,
na tribuna política, nos debates da cultura, na prosa
e na poesia. Sábio e admirado orador, espírito
de uma alegria incrível em qualquer situação,
soube criar laços ricos de consideração
e amizade. Cada momento seu seguramente inesquecível.
Palavras, frases, conjunto de ideias, tudo marcava presença.
Lembro-me como hoje de um encontro que tivemos em sua casa,
quando Olyntho Silveira e eu acompanhamos, em visita, o grande
intelectual Aires da Mata Machado Filho. Foi um encontro mais
do que cordial, bonito, elegante, cheio de virtudes e de malícias,
que só duas magníficas inteligências podiam
fazer acontecer. Um debate e tanto, de que Olyntho e eu poucas
vezes participamos, não só porque os dois não
paravam de falar e esgrimir ideias, mas porque, para nós,
o melhor era ouvi-los. Minutos e horas valiosíssimas,
um prêmio existencial!
.........Mais do que sagaz, entre
o ter razão e o ser feliz, Cândido escolhia as
duas situações. Para ele - bom mineiro que era
- as ideias podiam até brigar, mas as pessoas não,
nunca. As divergências passam, mas a amizade e o respeito
têm que permanecer. Homem de liderança, ele sempre
dava razão para a gente gostar dele. Companheiro leal,
alegremente respeitoso, agia no interesse geral, longe do egoísmo
que dificulta a vida. Compreendia cada situação
com extrema paciência, olhando para fora como sonhador,
e para dentro como ser de consciência reta e digna. Hábil,
mais do que tudo hábil, sempre soube fazer boas escolhas.
Das coisas, das situações, dos momentos, dos amigos.
Já que a vida, como uma peça de teatro, não
permite ensaios, Cândido cantou, chorou, dançou,
riu, bateu palmas, aplaudiu e foi aplaudido. Mais do que tudo,
viveu intensamente. E como viveu!
.........Cândido, importante
montes-clarense, foi membro das academias Montes-Clarense de
Letras e Municipalista de Letras de Minas Gerais. Foi radialista,
cronista, colaborador constante de vários jornais, em
todo o tempo amado e admirado.
CONSUL
FERNANDA RAMOS
.........Segundo
Aristóteles, a grandeza não consiste em receber
honras, mas em merecê-las. E conforme Edith Wharton, há
duas maneiras de irradiar a luz: ser a própria fonte
de brilho ou o espelho que a reflete. Grandeza, honra, luz,
fonte, espelho, reflexo, um universo de palavras indicativas
de valor e mérito.
Em todas estas ideias e seus significados posso emoldurar a
mulher corajosa e cheia de ideais, que é D. Maria Fernanda
Reis de Brito Ramos, Cônsul Honorária de Portugal
no Norte de Minas, minha amiga e mestra de longo tempo em vários
setores da vida. A mesma D. Fernanda que é capaz de elogiar
sem rodeios ou demonstrar uma inconformidade sem indecisões.
.........É para esta mulher
guerreira, que fazemos uma festa espiritual em comemoração
aos seus oitenta anos, mais do que bem vividos. Multipliquemos
os seus janeiros por meses e dias ou por horas e minutos, e
podemos estar certos de que qualquer medida de sua existência
vem gravada de proveitoso
construir, do muito amar, de um esforço incrível
para melhorar a vida e o viver. Dela mesma e de muitos. Dona
Fernanda é um dínamo sem medida de voltagem, uma
criatura sem limites na busca da perfeição, exigência
própria, exigência com quem estiver à sua
frente ou ao seu lado. Sempre chuva, nunca neblina, nada em
D. Fernanda é calmaria, nada. Para ela, a vida é
busca incessante do que fazer, do como agir, do assinalar exemplos,
uma corrida olímpica de pistas e de pódios. É
vencer ou vencer!
.........A
Montes Claros já chegou D. Fernanda, jovem esposa de
Artur Loureiro Ramos, para ser grandeza do comércio e
da indústria, vivência e trabalho na Casa Luso-Brasileira,
centro e coração da cidade. Forte acento no caprichado
falar da Universidade de Coimbra, onde a Faculdade de Engenharia
lhe permitiu belíssima formação intelectual
e liderança. Aqui o seu maior contato com a realidade
regional e brasileira, a sua consolidação no trato
de tudo e com todos. Atitudes fortes, cada atuação
mais do que definida: a família, os amigos, as companheiras
e os companheiros de intelectualidade, o trato social mais do
que valorizado. Mínima a distância entre o ser
e o atuar. Até no dia-a-dia foi moça de sorte,
porque a Casa Ramos ficava exatamente na única esquina
das duas ruas calçadas, a Rua Quinze e a Rua Simeão
Ribeiro, quando toda inteireza urbana era vermelhidão
de poeira.
.........Dona Fernanda esteve sempre
de bem com a vida, Algum descanso na Fazenda Vista Alegre, algum
tempo em reuniões do Clube Montes Claros, do Automóvel
Clube, da Associação Comercial e Industrial. Importante
na fundação do Elos de Montes Claros, na Sociedade
das Amigas da Cultura, na Associação de Dirigentes
Cristãos de Empresas, no Instituto Histórico e
Geográfico. Importantíssimas as atividades de
D. Fernanda como líder elista: conselheira, diretora,
presidente internacional. Sempre presente em encontros regionais
e inter-países, principalmente em convenções.
Como presidente internacional tomou várias iniciativas
de elevada repercussão, valorizando grandemente o Brasil
e Portugal, além de benefícios aos países
irmãos de fala lusitana. Um valioso exemplo de solidariedade
e amor!
.........Três fatos marcam
definitivamente o seu prestígio: a vinda do Cônsul
Sá Coutinho e esposa na fundação do Elos
de Montes Claros, a homenagem que a dra. Manuela Aguiar, deputada
federal em Lisboa, veio trazer-lhe pessoalmente na Sociedade
das Amigas da Cultura de Minas Gerais e a sua escolha pelo governo
português para o cargo de Cônsul Honorária
no Norte de Minas. Quantos e quantos dirigentes do Elos Internacional
vieram a Montes Claros a seu convite, por força do seu
valor! Lembro-me como se fosse hoje da grande festa de inauguração
do Consulado, na sua antiga residência da Avenida Cel.
Prates, agora Praça Portugal. Muito difícil repetir
o sucesso de D. Fernanda Ramos como o da sua presidência
na ADCE, dias realmente dourados para o prestígio da
instituição. Com que entusiasmo D. Fernanda planejou,
construiu e vem mantendo o Hotel Fazenda Vista Alegre, local
aprazível não só para hospedagens, como
também para realização de eventos.
.........Léon Denis, o sábio
pensador francês, sempre achou que não basta crer
e saber. É sempre necessário viver e fazer praticar
na vida princípios superiores. Nossa existência
tem que ser alegre, harmoniosa, plena de bênçãos
de paz e de amor, sempre e sempre despertando esperanças.
Não há como negar ser o amor a realidade mais
pujante, porque o amar é o grande desafio. O amor deve
ser causa, meio e fim. É por isso e por muito mais que
Maria Fernanda Reis de Brito Ramos, nossa querida Cônsul,
Companheira e Amiga, vive e sobrevive em razão dos seus
muitos sonhos. Agora nos seus bem norteados oitenta anos e ainda
por muito tempo mais. Bem haja!
CORBINIANO
R. AQUINO
.........Com
tristeza e, ao mesmo tempo, alegria, vejo mais um amigo e companheiro,
Corbiniano R. Aquino, o tão querido Corby, fazer a grande
viagem de volta ao Mundo Maior, deixando-nos um tanto órfãos
de sua presença e bondade, sempre consideradas agradáveis
e proveitosas em todos esses anos em que estivemos juntos. Tristeza,
porque, mesmo sabendo não-imortais, nunca esperamos de
imediato a ausência dos que nos são caros, principalmente
os mais aprumados do nosso viver e conviver.
.........Por mais que saibamos
da realidade da morte nunca a aceitamos sem queixas e saudades
e, assim, toda ausência definitiva parece nunca vir no
tempo certo, tem sempre um tom de antecipação.
Alegria, porque nada melhor e mais gratificante do que a sensação
de ver concluída uma vida e lutas e vitórias,
a certeza do dever cumprido, o coroamento do êxito, a
consolidação das amizades verdadeiras.
.........Corby foi grande amigo,
constante, atual, um bom irmão, colega, condiscípulo
na escola do trabalho, mestre-professor sensível e determinado
de todas as horas. Ele não passou pela vida simplesmente.
Viveu-a no que ela tem de melhor, de mais útil, na seara
do esforço incansável de cada dia, sem paradas,
sem perguntar a que veio, mas com a sincera disposição
de quem sabia porque estava no mundo. A boa hora para Corby
era aquele tempo em que podia ser lucrativo em termos de cultura,
de conforto, de progresso e evolução para todos
que lhe seguiam a trajetória da romagem terrena.
.........Nunca
só viver o bem social, um conjunto de valores isolado.
Um não vigoroso e efetivo ao egoísmo. O bem de
Corby foi que pudesse, sem dúvida, trazer a felicidade
ao maior número possível de pessoas. Viver, viver
muito, mas acima de tudo, conviver!
.........Sei que muitas pessoas
só conheceram Corby como industrial e comerciante. Sei
que muitas só o consideraram como líder classista,
na ACI, como filantropo na Maçonaria, como orador e conferencista
em entidades públicas e escolas. Alguns o conheceram
como homem de fino trato, social e sociável, sério
e alegre, amigo, acolhedor. Alguns o viram no cultivo da terra,
vidrado em plantações, pelo colorido das flores,
por tudo que o solo produz, enriquece e embeleza a vida. Mas
quanto eu gostaria que os nossos contemporâneos tivessem
aproveitado mais de sua inteligência como escritor e poeta,
de sua habilidade como desenhista, de sua lógica contundente
nos assuntos da sabedoria e do espírito! Foi ele um grande
pensador, homem de cultura em todos os aspectos.
.........Autor de um livro publicado
– “ACONTECEU EM SERRA AZUL” – e outro
por publicar – “ACONTECEU” dois excelentes
romances, muita coisa ainda virá a lume para lhe dar
um reconhecimento póstumo. Bom advogado, respeitado químico,
redator consciente da gramática, espero não demorar
muito o dia em que Corbiniano seja citado como um dos nossos
melhores intelectuais. Na imprevista ideologia da política
e dos políticos mineiros, não basta nem satisfaz
só o existir, é preciso que haja recompensa. E
claro que ele a merece. Ninguém perde por esperar! A
justiça tarda, mas não falta.
DARCY
RIBEIRO
.........O
lançamento do segundo romance de Darcy Ribeiro-”O
MULO”- na Academia Montesclarense de Letras, numa descontraída
noite de quinta-feira de dezembro, foi um reencontro de alegria
e de contrastes, com um amado e temido filho da terra a derramar
nos ouvidos o mel e o fel de santas heresias e virtudes. Ora
terno, doente de romantismo, saudoso filho de dona Fininha Silveira,
ora demolidor, prenhe de força belicosa, irmão
de Mário Ribeiro, ora compulsivamente criativo, primo
espiritual de Konstantin Christoff. É que Darcy Ribeiro
nasceu pouco adaptado ao modo e ao jeito dos mineiros, nunca
afeito ao silêncio, ao retraimento, mas, ao contrário,
incomodo para inteligências e sentimentos preguiçosos,
bisturi ou látego autoconduzido e sempre a si mesmo proclamado.
.........Ao contrário de
Ciro dos Anjos, outro montes-clarense famoso no mundo das Letras,
este sereno, machadiano, universalista, acomodado como um velho
funcionário público, a curtir um silêncio
invisível, Darcy Ribeiro é e afigura-se agitado,
fogoso, tropicalmente brasileiro, aquecido de alma e corpo,
de lufa e de luta, instintivo, felino como um condor. De inteligência
selvagem, incontida, Darcy raciocina como uma ventania de amor
a tudo que é cultura. Curtido primitivamente no sol e
no solo do sertão de Montes Claros, fruto teórico
de ternura e de instinto, de voluptuosa ambição
de mundo. Darcy é um caldeirão efervescente de
ideias como a querer viver em uma só vida todas as vidas.
Mortal, tem pretensões de imortalidade e imortal se fez
pelos feitos multifeitos.
.........Bem
brasileiro, latinamente apaixonado, traz na alma o Mulo Darcy
retalhos de peles de todas as cores: a cor do índio,
a cor do negro, lembranças atávicas do misticismo
dos celtas, aguerrida força de velhos godos, gosto de
mando da alma ibérica, uma noção tão
grande de espaço e de glória que só navegadores
fenícios poderiam ter impregnado o sangue de marinheiros
do velho Portugal. Tem mais: Darcy é lúbrico como
um cristão novo, fogoso como um nômade cavaleiro
árabe. Na verdade, é um homem com a alma da raça,
e não só da portuguesa, da índia e da africana,
misturadas no cadinho brasileiro. E da raça humana, pois
portador de muitas virtudes e de muitos defeitos, um caldo bem
temperado de semens jorrados do chuveiro eterno, não
sei porque nascido em Montes Claros.
.........O MULO é esta cidade
sedenta de força humanamente parceira de Deus na distribuição
da vida e da morte; divinamente sequiosa na busca de amor, criadoramente
envolvente na caça do mando e do poder. Sensual, oportunista,
material, religiosamente mística, faminta da novidade,
sonhadora de futuro. O MULO é um pedaço de cada
criatura que viva ébria da própria terra natal,
homem ou mulher. O MULO tem muito de João Valle Maurício
na palavra e na sutileza, muito de Konstantin no arregalo da
anatomia, no desenhar das forças; muito de Crispim da
Rocha no faro do homem do mato, forte e inteligente; muito de
Filomeno na sede do ter e do governar; muito de Plínio
Ribeiro, no misticismo, no gosto do idear, no ser e não
ser da vida. O MULO é Darcy e é Mário Ribeiro,
inconsequentes e perseverantes, sempre determinados.
.........O MULO, centro de uma
bem romanceada trama de Realismo e Naturalismo, barroco talvez
pelos contrastes, hereditariamente marcado pelo destino, fruto
do amor e do desamor, sem peias, sem origem e sem destino produto
da terra e da carne, somos-isso é verdade-todos nós,
pequenas grandiosas criaturas no sofrer e no gozar. E que Deus
nos perdoe-Amém.
DÁRIO
TEIXEIRA COTRIM
.........De
quando o homem se viu colocado na primeira manifestação
literária, mesmo antes do texto escrito, a melhor forma
de arte que encontrou foi a fala poética. Inicialmente,
pelo menos em Português, o verso paralelístico,
a cantiga de amor, a cantiga de amigo, a cantiga de maldizer.
Poesia para ser cantada, repetida de memória em portas
de hospedarias, nas tabernas, à beira das estradas ou
nos palácios reais, o poema de amor à gente ou
à terra, sempre com laivos de emoção e
sonoridade que só o verso pode ter. Assim, o poeta, homem
ou mulher, jovem ou velho, mas apaixonado pelo musical da língua,
nunca pôde fugir do bom e do gostoso da arte de poetar.
E como Deus fez o mundo com luz, o versejador fez o idioma com
versos. E a poesia foi feita...
.........É por isso que
Dário Teixeira Cotrim, falante do mesmo idioma de El-Rei
Dom Dinis, de Paio Soares de Taveirós, de Camões,
de Bilac, de Fernando Pessoa ou de Cândido Canela, também
há de cometer seus versos, cantando a velha Bahia, sentindo
no peito a necessidade de extravasar-se na paixão do
menino e no namoro do adolescente. Vive a natureza pura, adoece
de saudade com os mesmos sintomas de todos os poetas, sofre
e canta o sofrimento. É a tradição dos
que amam acima da linha de nível do amor comum. Dário
Teixeira Cotrim ama a terra, ama o povo e se embeiça
pelo amor do próprio sangue, da própria raça
interiorana de baianos de fé e de coragem.
.........“A
Casa Grande de Mãe-Véia” é, pois,
um canto de pura saudade, um rememorar de eternas lembranças
dos companheiros de meninice, dos parentes mais velhos, da escola
primitiva, do “back-ground” de um tempo de vida
alegre e descompromissada, sem horários, sem livros de
pontos, sem dígitos e sem teclados, onde o computador
de hoje era o mundo de rios, morros e montanhas, pedaços
de capão-de-mato. Dário Teixeira Cotrim foi sempre
um saudosista, um vidente ao contrário, muito mais de
passado, muito pouco de futuro. Se o presente é bom,
o pretérito é melhor, é mais rico, mais
prenhe de sutilezas com infinitas doçuras de mocidade.
Na sua memória, a igrejinha, o curral, a estrada, as
cercas com lonjuras de acabar de vista, os pastos, os animais
dentro dos pastos, as nuvens despidas de sol ou carregadas de
chuvas, o amanhecer, o crepúsculo, os brinquedos de roda,
do pega-ladrão, do fazer-a-gata-parir, o montar em pelo,
o banho de rio e de lagoa, a arapuca, o quebra, o estilingue,
o bodoque, o eterno buscar umbu quando umbu está começando
a amadurecer. Tudo num mundão de sonhos e de doces realidades,
que só o interiorano conhece e sabe reconhecer.
.........Fez muito bem o poeta
em poetar sua poesia. Modesto, diz que não quer fama,
não espera vender o exemplar na livraria, não
pensa em edições milionárias e de luxo.
Dário Teixeira Cotrim quer sua poesia na boca e no coração
do seu povo, dos seus amigos e colegas de banco, mas sobretudo,
na boca do povo baiano de Ceraíma, que teve a felicidade
de nascer ali perto da casa grande de “Mãe-Véia”.
Se esses baianos lerem seu livro, senti-lo e com ele se emocionar,
tudo bem, o esforço foi pago, o poeta viverá feliz.
E mais vale a felicidade do poeta e da gente do seu sangue,
que o dinheiro de todos os ricos! Viva o amor!
.........E eu, como amigo e companheiro
de lutas, também me sentirei gratificado. E muito!
DINA
PAULINO CORREIA
.........Os
noventa anos de coragem e alegria, que sempre marcaram nobreza,
nunca envelheceram em Enedina Paulino Correia - nossa querida
Dona Dina - a sua crença de amor à vida. Tem sido
quase um século de invenção e re-invenção
diárias, cada momento dedicado ao melhor da consideração
humana. Sempre pensamentos de bondade e beleza irradiando positividade
e fé, sempre o mais fino trato no ser, no estar e no
compartilhar. Definitivamente marcante o amor à família,
aos colegas de trabalho, aos amigos. Máxima elegância
sempre! Filha de pai advogado e cronista da Gazeta do Norte,
Dona Dina nasceu em Grão Mogol no quatorze de maio de
1919 e só veio para Montes Claros dois anos depois. Morou
em Pires e Albuquerque oito, casou-se com dezenove. Porque o
marido Geraldo de Paula Correia foi para São Paulo e
voltou doente, a ela sozinha coube criar e educar os filhos
Pedro, Theodomiro, Terezinha, Nadir, Carlos, Itamar, Geralda
e Cláudia. Antes da aposentadoria aos trinta e cinco
anos de trabalho na Escola Normal - direção de
D. Taúde, de Luiz Pires, de Francolino e Sônia
Quadros - sei que muitos foram os biscoitos e doces feitos no
forno e fogão do Alto do Santo Expedito, casinha humilde,
embora imponentemente rodeada de bonitas mangueiras. O terreno
era de Neném Barbosa e ficava mais ou menos onde está
o Montes Claros Shopping Center. Era de lá que o filho
Theodomiro saia com a bandeja cheia para as vendas em domicílio.
Dona Dina fazia questão de ter, fora do horário
da escola, todos os filhos e filhas também trabalhando
para garantir a lenha da cozinha e a feira dos sábados.
Ela dava o melhor exemplo e fazia questão de ser seguida.
Fui colega de Dona Dina, por duas vezes, no sobradão
da Coronel Celestino, em 1954, quando lecionei inglês,
e na Avenida Mestra Fininha, de 1965 a 1970 , quando eu era
professor de português e literatura para as turmas do
científico. Foi um tempo maravilhoso em nossas vidas,
pois muitas e muitas amizades feitas naquela época duram
até hoje e nos seguirão ao longo da jornada terrena.
Dona Dina foi sempre uma colega perfeita, dedicada, presente,
para mim e para todos os companheiros de trabalho, uma amiga
insubstituível. Sua educação de berço,
a voz sempre comedida, os olhos sempre brilhantes de consideração
e amizade eram marcas de uma personalidade inesquecível
para qualquer tipo de histórico pessoal. Podemos nos
esquecer do que as pessoas nos dizem, mas jamais olvidaremos
da forma que elas nos tratam, de como elas nos fazem sentir.
Como nunca virou as costas para a vida, Dona Dina tem milhares
de amigos e um milhão de admiradores. Para cada dificuldade
e cada desafio, ela descobriu as respostas e a melhor forma
de superá-los. Uma criatura de muitas vitórias!
Com bom humor espalhando mais do que simples felicidade, Dona
Dina é digna de todas as riquezas do mundo, de todos
os horizontes de esperança, de todo o despertar dos sonhos.
Fazendo sempre a sua parte e, muitas vezes, até a dos
outros, nossa homenageada é força visível
e invisível do bem, suficientemente
poderosa para transformar para melhor qualquer um dos nossos
momentos. Se vivo fosse Henfil, ele poderia dizer que, em toda
existência de Dona Dina houve frutos e valeu a beleza
das flores, houve flores e valeu a sombra das folhas, houve
folhas e valeu a intenção das sementes. Nesta
comemoração dos novent’anos, pedimos ao
bom Deus que sempre protegeu Dona Dina e os que lhe são
queridos - oito filhos, vinte e cinco netos, vinte e três
bisnetos - continue sempre amparando a todos com a infinita
e majestosa luz do amor!
DOUTOR
JOSÉ RAMETA
.........Nascido em São
Paulo, mas transmudado de vida e vivências para a velha
vila do Sapé, meio de mata e canteiro de construção
ferroviária, José Rameta enriqueceu-se de realismo
mágico e purificou-se de simplicidade interiorana, qualidades
endereçadas à sua futura atividade literária.
Acompanhando Salvador, pai, no trabalho, e D. Lia, mãe,
no trato com as coisas de Deus e da casa, fez escola de humanismo,
preparou-se para conferir às pessoas e aos assuntos,
existência de eternidade. Observador sensível,
dotado de bondade e finura, nem a timidez lhe tira a capacidade
de construção do bem.
.........Escrever,
contar “causos” tem sido um complemento das horas
de trabalho do doutor ginecologista, sempre muito ocupado, trabalhador
que trabalha em área de diversão de muitos, segundo
poderia dizer a fala alegre dos humoristas. Contista, é
espelho refletindo universos do consultório médico,
das salas de parto ou de cirurgia, que podem estar em qualquer
parte do mundo. Tem bom poder de enredar, criar, construir ambientes,
sugerir dramas, despertar emoções. Nele é
sempre perceptível a busca e a espera do clímax.
.........Em “Os Meninos do
Sapé”, Rameta demonstra-se um saudosista que sabe
evocar cenas de encantamento tipo primeira noite de um homem,
recordos do garoto e do rapaz estudante. Muitas são as
visões que circulam entre o cômico e o trágico,
sempre temperadas de malícia comedida, com doses de místico
fatalismo. Um misterioso, muitas vezes saudado pela maestria
do balanço das frases e das palavras, todas tão
simples como o seu modo de ser e de viver. Estas são
as facetas que vão despertar o leitor para uma leitura
gostosa, transparente como as águas do Rio Verde, que
inspiraram o escritor, a exemplo do rio da antiga Arcádia.
.........Os lugares criados pela
escrita de Rameta são geográficos e reais, embora
universais e universalizantes, no ponto em que estão
isentos de fronteiras da política ou da ideologia, uma
contida cosmovisão da nossa pequena humanidade. Seus
dramas nunca constituem flagelos ou catástrofes, porque,
aí, a miséria e as fraquezas nunca se mostram
em clima de fratura exposta. A dor maior é acidental
e não causa gritos de extertor nem nos partos difícies,
já que, com amor, quase religioso, anestesiado. A dor
menor, esta vem de fininho, matreira, solerte, bem comportada,
nunca ferindo nem corpo nem alma.
.........Rameta trabalha bem com
as suas personagens, convive com elas, alegra-se e sofre em
fraterno companheirismo. Da-lhes foco de luz e boa movimentação.
Envolve-as com o toque cuidadoso, escuta-lhes o coração,
deixa-as em atmosfera de confiança, sem barulho, sem
pressões, cobrindo com branco lençol as partes
de maior pudor. Seu espaço médico/poético/literário
tanto pode ser um hospital de estudantes em Belo Horizonte como
a clínica que divide com a doutora Maria de Jesus, sua
mulher e colega. Seu tempo/espaço pode ser também
Montes Claros ou as ruas poeirentas do Sapé, o bairrinho
antigo de onde nasceu Burarama, a cidade filha do Capitão
Enéas e de Salvador Rameta.
.........Assim,
não precisa nosso contista criar um mundo fictício,
não tem necessidade de formar, inventar, machucar as
palavras, para delas extrair verdades ou meras ilusões.
Filho de Dona Lia Rameta, de suave misticismo, ele, sacerdote
simpático de corpo e alma, sabe mostrar fotografias mentais
dos acontecimentos sugestivos de sua profissão. Em torno
dele, os fatos simplesmente acontecem, encantados ou não,
nem sempre com sangue, os envoltos com placentas e cordões
umbilicais. Vindo à luz como artista da palavra e do
bisturi, Rameta é, sobretudo, um doador de existências,
com choros e com sorrisos.
.........Um
agende de felicidades. Os leitores de “Os Meninos do Sapé”
– ao contrário dos antigos romanos – dizem
e poderão dizer sempre: Salve, nobre Amigo, os que vão
viver te saúdam.
EDMILSON
OLIVEIRA PAZ
.........A cidade existe para servir
às pessoas ou as pessoas existem para servir à
cidade? Afinal, quem é dono de quem? Quem é mais
importante, Montes Claros ou seu povo? Que um depende do outro,
ninguém duvida, porque só a colaboração
de cada habitante, o grau de interesse pelos problemas, a busca
de solução particular ou geral, o elo de amor
de cada um poderão marcar pontos positivos no progresso
e na humanização da nossa vida, de jovens e mais
idosos, de pobres e ricos, de conhecidos e de desconhecidos,
todos donos de uma fração desta antiga Vila de
Formigas. Por outro lado, a cidade não pode ter vida
própria fora da vida dos seus moradores, longe do interesse
de cada família, de cada estudante, ou de trabalhadores
ou mães de famílias, de técnicos ou de
simples artistas dos minutos de beleza que o dia-a-dia nos oferece
generosamente.
.........A cidade de Montes Claros,
na verdade, somos todos nós, com todas nossas alegrias
e tristezas, nossa pressa, nosso trabalho, nosso interesse às
idas e vindas; os enganos e desenganos, a amizade dedicada e
recebida; a concorrência em todos os campos da vida, a
seriedade, necessária para fazer
o mundo melhor. Não se pode desligar a cidade do cidadão.
Quando alguém se isola, por comodismo ou por incompreensão,
alguma coisa fica em débito na contracorrente do progresso.
E não falo do progresso só material, do desenvolvimento
de pedra e cimento, tijolos e de asfalto, de meio fio e de muro
cercando lote vago. Falo principalmente da argamassa psíquica
de alegria e gosto de viver daquela sensação gostosa
de morar numa cidade onde o humanismo seja a maior bandeira,
onde o bicho-homem represente o geral e o particular, uma espécie
de fio de ouro que ligue a terra ao céu.
.........A
meta tem de ser o homem. E quando falo em homem, quero representar
bem o sentido bíblico de criatura, sendo homem a generalização
de todas as raças e posicionamento na sorte, de crianças,
velhos, mulheres, moças, homens jovens ou maduros. Não
deve haver nenhuma discriminação, pois todas criaturas
de direitos e deveres distribuídas pela Criação
para o desempenho de papéis no eterno drama da existência.
Cada indivíduo é um universo com todas as suas
implicações no campo da sensibilidade. Ninguém
é realmente uma ilha; todas as nossas vidas se encontram
entrelaçadas; apertemos ou não mutuamente nossas
mãos lisas ou calejadas, sujas ou limpas.
.........Há muita gente
trabalhando para o bem geral desta cidade de Montes Claros.
Mulheres que se santificam no trabalho do ensino e do amparo
social; na enfermagem e na higienização das ruas,
na criação dos filhos, no preparo dos alimentos
ou nos balcões de lojas e mesas de bancos e de escritórios.
Há homens que lutam e se aperfeiçoam: que correm
suados ou se assentam para busca de organização
da própria vida em comum. Há profissionais que
vivem para o cumprimento do seu dever, convivendo com a disciplina
e gerando com seus próprios meios a felicidade desejada.
.........Quero destacar um profissional
de função pública que há muito venho
observando sua dedicação e carinho no trato diário
de seu trabalho. Lúcido, atento, gentil, tem tido na
dura luta pela vida só atitudes de tornar tudo mais gratificante
para si mesmo e para as pessoas a que serve por obrigação
e parece, por prazer. Trata-se do guarda que o Décimo
Batalhão colocou em serviço nas imediações
do Grupo Escolar D. João Antônio Pimenta e do SESC.
Sua atuação tem sido impecável e as crianças
o adoram e têm por ele um grande respeito e amizade o
que é bom e agradável para ambas às partes.
.........Faço justiça,
terminando esta crônica com o seu nome: Edmilson Oliveira
Paz, soldado e homem público.
ENÉAS
MINEIRO DE SOUZA
.........A decisão definitiva
de mudar-se para a beira do Rio Verde, no Sapé, meio
de mundo cercado, de matas compradas do Dr. Marcianinho, foi
tomada em Belo Horizonte. Era uma decisão bem desenhada
de sonhos, cheia de cuidados com um cheiro romântico e
premeditado de aventuras na densa floresta e nos macios carinhos
da mulher mais linda do mundo, que o capitão Enéas
Mineiro de Souza acabara de conquistar depois de seis meses
de investidas. Maria Aparecida, Neném, maravilha de vinte
anos, morena clara, olhos castanhos da cor de uma noite de Caruaru,
pele nova e aveludada de doce mangaba, falava com uma musicalidade
que só uma fada poderia ter, tudo e muito mais do que
o pernambucano pedia a Deus. Era o que Enéas sempre sonhara
em todas as horas fáceis e difíceis da vida. Estava
decidido, e esta decisão jurada no apartamento novinho
do Brasil Palace, de frente para a avenida, não podia
vir em hora melhor. Neném não aceitava de modo
nenhum morar com ele em Montes Claros, e em Belo Horizonte ele
não podia ficar por causa dos negócios aqui na
região Norte. O Sapé era uma vilazinha velha,
sem conforto, feinha até, mas nada importava, porque
ao lado de Neném ele haveria de criar uma cidade nova,
novinha, onde ela fosse até mais do que uma rainha. Quem
vivesse ou sobrevivesse, veria!
.........Neném ficou em
Belo Horizonte duas semanas para dar tempo ao tempo, indo depois
para mais uns quinze dias na casa de D. Altina, no Alto São
João, em Montes Claros.
.........Foi
o prazo para Enéas comprar pneus novos para os caminhões,
ajeitar alguma coisa nos motores, aprontar as ferramentas e
ensacar o que comer e pegar a gasolina tão difícil
na época. Antônio Miguel, Mestre Severino, Epifânio
e José Porfírio, além dos motoristas a
postos, só esperavam a ordem de viajar. Foi uma dura
travessia de muito esforço e suor, principalmente depois
de Brejo das Almas, em estradas feitas para animais e quando
muito para carroções e carros de bois. As enxadas
e os enxadões, as picaretas e alavancas não pararam
tempo nenhum pela tarefa de derrubar barrancos e tapar buracos,
acertando aqui e ali, empurrando pedras nos carreiros das rodas
dentro dos rios e córregos. Dos lados da mataria densa,
com cheiro de terra molhada, a natureza espocava em flores e
sons, numa alegria depois de chuva rara. Chegaram ao Sapé,
afinal, na madrugada do dia 20 de janeiro, ano de guerra de
1942, depois de quase meia semana de pelejas. Foi um sono só
para todos nos catres sem conforto da casa já alugada,
por carta, a D. Antônia, mãe de Elpídio
da Rocha.
.........Instalada com a consciência
de quem veio para ficar, Neném era, a seu ver, a mais
jovem e mais bonita dona de pensão de todo o sertão
brasileiro, competente, decidida, a gerir uma casa grande, bem
assoalhada e de paredes brancas, logo mais uma hospedaria para
doutores da estrada-de-ferro em construção, entre
eles os engenheiros Demóstenes Rockert, Novais, Laviola,
e os médicos Eduardo Morgado e Darce, todos gente de
maior simpatia. Para cumprir as exigências dela e salvar
as aparências, Enéas Mineiro de Souza, capitão
da Polícia de Pernambuco, era apenas um hóspede
a mais, empreiteiro de muitos serviços, desmatador chefe.
Nada além disso, pelo menos durante o dia e até
a hora em que todos iam dormir... Com as duas empregadas que
Neném trouxera de Montes Claros, tudo espelhava limpeza
e arrumação, já com luz elétrica
e água encanada, providenciadas para o maior conforto
de todos.
.........No mesmo dia 20 de janeiro
de 1942, voltando pela velha estrada, Antônio Miguel e
o capitão, no meio da esplanada de nunca acabar, capaz
de abrigar dois milhões de habitantes se tanto fosse
preciso, escolheram um pé de tingui bem copado para localização
da primeira barraca do acampamento inicial. A ideia era colocar
aquela mataria toda no chão e sobre as bancadas das serras,
começando logo uma frente de serviço, tão
comum em suas vidas... Era como se ali estivesse começando
a história do mundo. E ainda bem, porque, um quilômetro
abaixo, em casa, Enéas tinha uma mulher que valia por
todas as minas de ouro da terra. Na coragem dos seus companheiros
e na sua vontade e determinação de vencer, apareciam
os primeiros toques para a existência da fazenda Burarama,
de cujas avenidas e praças ele daria mais tarde a formação
da futura cidade que, depois de sua morte, receberia o seu nome:
Capitão Enéas. Poderia haver momento mais feliz?
Impossível!
EVANY
CAVALCANTE
.........Somente a sabedoria nos
coloca em situação de ver além das aparências,
seja esta dos fatos, seja esta dos sonhos. Só a sabedoria
remete-nos direto ao significado verdadeiro de cada acontecimento,
de cada nesga ou lance de vida. Somente a sabedoria nos faz
ver uma legítima dimensão poética e a função
quase divina de quem pensa e de quem faz o verso e o ritmo do
verso, melhor dizendo, de quem é e de quem se sente poeta.
Digo mais: só a minha experiência – não
muito nova no campo do saber literário - me remete à
interpretação do muito bonito e encantador texto
de Evany Cavalcante Brito Calábria, ao mesmo tempo história
e marca de família, ao mesmo tempo estórias e
causos mineiros, entreouvidos e sentidos com a marca existencial
da menina, sempre linda e criativa.
.........Leitor atento de todos
os poemas deste Infância Verde, confesso que faço
minha a conhecida posição de Ferreira Gullar em
relação ao fazer poético e a esse universo
que não conseguimos aprender no todo, porque nascido
conosco no modo até mais do que pessoal. Somos seres
do grafar e do laborar palavras e sentimentos. Temos o talento
e a inspiração que chegam como relâmpagos
e por caminhos de sonhos, tudo dividido ou multiplicado, tempo-espaço
do ser, do viver e do conviver. Só ao poeta a necessidade
de espanto com as coisas e com os acontecimentos, flor e fruto
da motivação que leva ao poema e à poesia,
algo muito mais do céu do que da terra.
.........Em
poesia o saber, o saber fazer e o querer fazer não são
suficientes, porque de nada adianta a técnica quando
não há inspiração e/ou marcas de
sentimentos. Mesmo para seres privilegiados por Deus para entregar
ao mundo a ordenação lógica das palavras,
só uma vivência encantada nos permite construir
- versos depois de versos - textos com cadência e musicalidade,
haja ou não rimas de dentro ou de fora. Para o poeta
a epopéia ou o lirismo, querendo ou não querendo
um modo diferente de lidar com ideias, um superar limites racionais,
quase sempre sem o controle da razão.
.........Sinto-me feliz e prazeroso
com os muitos textos de Evany, bonitos e elegantes do começo
ao fim, tudo gramaticalmente limpo e perfeito, resgate da infância
que o tempo não desviou em momento algum, sempre vida
bem vivida em saudades do passado e em vôos de esperança
e de futuro. Na ideia de D. Olga, mãe e conselheira,
em Evany a poesia é um eterno querer bem, um dizer sim
para todas as belezas do corpo e do espírito. Por mais
que essa poesia se esquive de suas mãos, Evany fugir
ou fingir não pode, porque ela inteirinha é um
colorido momento de saudades, sempre e sempre uma pura alegria,
cenário de sonhos, princesa e rainha vestida e revestida
de amor. Sobre isso, a própria Evany faz relembranças:
“Eu tinha doze anos e uma vida inteira”. Tinha e
tem, digo eu, prefaciador do seu primeiro livro.
.........Não somente de
imagens e de ideias, não somente arco-íris de
beleza, Evany é mulher decidida e incrivelmente organizada,
sempre afeita ao trabalho de cada dia. A ela, por isso, posso
atribuir em parte e com pequenas modificações,
os versos de Camões que dizem não aprender somente
na fantasia, sonhando, imaginando ou estudando, senão
vendo, tratando e pelejando. Afinal, o mundo vitorioso está
nas mãos das pessoas que têm coragem de sonhar
e laborar, pessoas capazes de correr risco para viver todos
os seus sonhos. Feliz de quem atravessa a vida tendo mil razões
para viver. Um charmoso jogo de amor!
.........Desejo a Evany todo o
sucesso do mundo, certo de que a sua lavra poética está
entre as dez mais bem aquinhoadas de nossa Montes Claros. Conscientemente
hábil nos raciocínios e nos sonhos, Evany pode
dizer como disse o poeta Manuel Bandeira: “Não
faço poesia quando quero e sim quando ela, poesia, quer.”
E como Cora Coralina: “Nunca escreverei uma palavra para
lamentar a vida. Meu verso é água corrente, é
tronco, é fronde, é folha, é semente, é
vida”.
.........Evany - ser especial -
é água, fogo, brisa e vento... Telúrica
ainda menina, telúrica moça, telúrica mulher.
É espaço, terra e tempo... É uma trajetória
do pensar e do viver com alegria, vereda fértil de amor
e de carinho, uma imensa vontade de caminhar... ir e vir ao
mesmo tempo. Este Infância Verde, publicado em nosso Consórcio
Literário da Secretaria de Cultura, não é
apenas o seu primeiro livro, é pedra angular de muitos
outros. O segundo e o terceiro já estão pertinho
da editora...
EZEQUIEL
PEREIRA
.........Acho que esta crônica
deveria estar sendo escrita por Haroldo Lívio. Ele a
faria bem melhor, com mais sabor telúrico, uma vez que
ele sente muito mais de perto a força da terra de Grão
Mogol, o cheiro do amor metafísico que perpassa pelas
ruas tortas e pela velha praça nominalizada pela placa
mais bonita que já vi, a placa da Praça Prof.
Ezequiel Pereira, bem o no centro da velha cidade. O Professor
Zeca é de Grão Mogol, de lá mesmo, município
cheio de pedras escuras de verde-musgo e maduras de amarelo-dourado,
lugar de águas tão claras como o cristal mais
claro, árvores de um verde tão intenso que faz
doer-nos a vista. Nascido lá, ali tomando contato com
a natureza e com o mundo, lendo e escrevendo as primeiras letras,
construiu, construiu, de menino, um feliz alicerce de vida feliz.
.........Não sei quantos
anos tive de convivência com o Professor Zeca nem posso
precisar bem a época dos nossos primeiros encontros,
de quando eu comecei a beber na fonte inesgotável de
sua sabedoria, do manancial de erudição tão
maravilhoso que ele sabia muito bem guardar envolto numa sincera
e natural simplicidade. Foi o Professor Zeca um dos homens mais
cultos e mais humildes que pude conhecer até hoje, cultura
que a gente tinha de minerar aos poucos através de perguntas,
de colocação de assuntos que pudessem provocar
sua obrigação de ensinar, de esclarecer. Sabendo
muito, por demais preciso nos seus conceitos de ciência,
de filosofia, de religião, de linguística, parece
que tinha medo, ou mesmo por excesso de amor evitava ofuscar
os que sabiam menos ou quase nada.
.........O Professor Zeca era impecável
na limpeza. Limpeza física e de coração,
limpeza de ideias, de vocabulário, uma limpeza alegre,
descontraída, despojada de qualquer tipo de pompa ou
de orgulho. Sua presença colocava as pessoas tão
à vontade como se elas estivessem numa respeitosa festa
de família. Era um homem de bem, tudo indica, sem qualquer
defeito visível ou invisível. Os que conviveram
mais tempo com ele – Olímpio Abreu, Ney David,
D. Deuslira Filpi, D. Lisbela, D. Lia Rameta, João Afonso
-, todos dizem nunca terem notado nele qualquer faceta negativa.
Espírita desde os treze anos, juntamente com seu famoso
irmão Cícero Pereira, Professor Zeca foi estudioso
da doutrina até os 84. Paciente nas anotações,
firme e sem desfalecimento até o fim. Um erudito, obediente
à Codificação, firme no escrever e no proferir
palestras, mestre admirado de muitas gerações.
.........Terminamos, hoje, a semana
de comemorações do centenário de nascimento
do Professor Zeca. Foram dias de repasse de feitos grandiosos
de um homem que jamais sonhou com grandezas. Professor, coletor
do Estado, chefe político, guarda-livros na antiga fábrica
do Cedro, foi sempre metódico e seguro nas suas decisões.
Foi um dos fundadores do Centro Espírita Canacy, no início
do século, companheiro também de Aristeu de Melo
Franco e de Sebastião Sobreira. O Professor Zeca não
estudava só em português e não podia assim
fazê-lo numa época em que muitos livros importantes
não haviam sido traduzidos para nossa língua.
Lia diligentemente em francês, inglês, italiano,
espanhol, esperanto. Eram excelentes seus conhecimentos de grego
e de latim. Um intelectual exemplar.
.........O Professor Zeca, Ezequiel
Pereira, foi sempre um homem de bem!
GODOFREDO
GUEDES
.........Mesmo pintando por prazer,
a exemplo de Miguel Ângelo, Godofredo Guedes pintava por
profissão. Genial, perfeito, verdadeiro, amado-amante
das tintas e das cores, em quase toda a sua vida foi um importante
e reconhecido pintor. Suas aventuras e venturas com os pincéis
tiveram início na adolescência, aos quinze anos,
em 1923, na cidade em que nasceu, Riacho de Santana, Bahia,
onde estudou francês e foi prático de farmácia.
Primeiro trabalho, já com toque de mestre, óleo
e pincéis, foi na Gruta da Igreja de Nosso Senhor Bom
Jesus da Lapa, barrancas do São Francisco. Até
hoje lá estão para a glória de Deus e do
autor, os doze quadros bíblicos da Via Sacra. Têm
sido um momento de místicas contemplações
para muitos dos romeiros e visitantes de quase um século.
Sempre, uma religiosa admiração.
.........Depois da Bahia, depois
dos dias ensolarados do sertão interiorano, depois de
encher a alma dos tons ricos das águas do São
Francisco, Godofredo Guedes veio para Montes Claros, cidade
bem pequena em 1935, mas com uma admirável generosidade
de muito sol e muito azul: azul no céu, azul nos montes,
azul nos tubos de tinta azul da sua paleta de artista fogoso.
O homem chegou pintando. Pintava tudo. Pintava placas, pintava
letreiros, pintava fachadas, pintava quadros. Quando pintou
o retrato de grande Prefeito Dr. Santos, recebeu dele um bruto
elogio: “como poderia assim de modo tão fácil
e artístico captar tão seguramente a personalidade
de uma pessoa?”. Muitas mudanças na cidade, muitos
anos são passados e o retrato ainda aí está
para quem quiser ver. É um sucesso até hoje.
.........Quantos
quadros deve ter Godofredo pintado em sua venturosa vida? Difícil
saber, porque ele pintava todos os dias, todas as horas... Uns
quatro ou cinco mil, Ou muito mais... Quantos amigos teve Godofredo?
Ninguém sabe, tantos são eles, em toda parte.
Quantos filhos, frutos de um feliz casamento com D. Júlia?
Isso os montes-clarenses sabem: foram oito – Terezinha,
Dolores, Neusa, José, Hélio, Maristela, Alberto
e Lúcia. Hélio é o conhecido Patão,
do folclore e também das tintas. Alberto, o genial Beto
Guedes, um dos construtores da moderna música brasileira.
Lúcia graduou-se como médica na Argentina e é
doutora há um bom tempo. Os outros, com exceção
de nosso sempre saudoso Hélio, todos de alguma forma
ligados à pintura, aí estão, solteiros,
casados, felizes sempre. Zeca – já não mais
tão jovem como em nossos tempos de Colégio Diocesano,
segue a trajetória dos pincéis do pai, mas até
hoje não quis pintar quadros. D. Júlia de Castro
Guedes, que sempre teve nas mãos e no grito, o comando
da família, cuidou de tudo e de todos. Foi diretora e
gerente ao mesmo tempo. Mulher e mãe que mandou um bocado
e com razão, diante de família tão grande
e de marido artista, que só se via obrigado a enxergar
as belezas da vida. D. Júlia foi, sem qualquer dúvida,
uma admiradora do marido. Falou dele sempre com grande carinho,
mesmo quando estava de cara fechada ou precisando brigar. A
ela, concordo, devemos grande parte da firmeza de GG, da sua
produção.
.........A maior tela de Godofredo
está em Belo Horizonte, no Instituto de Educação.
Tem grande dimensão, quatro metros por três. Trata-se
de um busto do inesquecível João Pinheiro, que
provocou lágrimas do filho, Governador Israel, quando
o viu pela primeira vez, diante de tanta emoção
face à beleza do quadro.
.........Para o artista Godofredo
Guedes o seu melhor trabalho foi realizado para outro grande
artista, o pintor Konstantin Christoff: um retrato do velho
e robusto Christo Raeff, em cores marcantes, um perfeição
de relevo de luzes e sombras, de coloridos e matizes. Trabalho
bonito, vivo, audacioso. Uma verdadeira obra de arte alimentada
pelo calor da amizade de dois grandes gênios do pincel.
.........A maior glória
de Godofredo Guedes, no seu próprio ponto de vista era
ter quadros e telas em grande parte dos lares de Montes Claros
e do Brasil, tantos como os seus dias de alegria. Mas nem só
de tinta viveu ele. De vez em quando deixava de ser mestre do
pincel para ser mestre na harmonia dos sons, compositor que
é de quase cinquenta belas músicas, muitas delas
inseridas em cadernos de modinhas e de dobrados e de livros
de grande destaque como o lançado pela historiadora Milene
Coutinho Maurício. Muitas não são por aqui
conhecidas, porque ficaram com as bandas de música da
velha Bahia, guardando a saudade do autor.
.........Nota interessante é
que Godofredo começou a compor música em 1931,
no mesmo ano em que se casou com D. Júlia, ao que tudo
parece, um amor mais sonoro que colorido ou tão sonoro
como colorido, como as duas artes poderão explicar, pelo
menos por algum tempo, pois, afinal, prevaleceu a pintura. Como
compositor, Godofredo foi laureado com o Primeiro Prêmio
num concurso de músicas juninas da Rádio Inconfidência
de Minas Gerais. O título: “VAI, MEU BALÃOZINHO”.
Construiu também, para variar de arte, inúmeros
instrumentos de cordas: violinos, violões e até
um piano. Isso mesmo, um PIANO! Com cauda e tudo!
.........Em Montes Claros, Godofredo
recebeu cinco prêmios como melhor pintor. Em Belo Horizonte,
oito anos que participando da Feira da Praça da Liberdade,
vendendo quadros todas as semanas, foi várias vezes homenageado.
Sua maior emoção além do casamento com
D. Júlia: o ato do recebimento do título de cidadão
Honorário de Montes Claros, em 1957, ano do centenário
da cidade, aprovado por unanimidade da Câmara, a pedido
do saudoso prefeito Geraldo Athayde.
.........Outro grande momento foi
a noite de comemoração dos seus 46 anos de pintura
, quando todos os artistas de Montes Claros, sinceros amigos,
admiradores conscientes, companheiros leais, juntamente com
autoridades, esposa, filhos, genro, estiveram no Centro Cultural
Hermes de Paula para abraçá-lo e louvá-lo.
As solenidades, o encontro, marcava quase meio século
de Arte que o alegrou e fez crescer seus sonhos pelas belezas
da vida. Foi um momento interessantíssimo, de máxima
emoção, uma descoberta do verdadeiro sentido da
importância de viver. Para Godô e para todos nós.
.........Grande Godofredo, grande
GG, grande amigo, companheiro e mestre, nossa mais sincera gratidão
pelo tempo em que você viveu e conviveu com a arte. E
conosco!
HAROLDO
LÍVIO DE OLIVEIRA
.........A história é
bem normal de tudo de conformidade com os cânones do comércio
de nossos dias, fruto dos princípios da oferta e da procura.
Negócio de toma-lá-e-dá-cá, envolvendo
naturalmente valores e moedas comuns de qualquer ato comercial.
Só põe romantismo numa operação
dessas quem pode vê-la com olhos de poesia, com traços
românticos de filosofia literária. Em tudo, não
resta dúvida, mesmo nos atos de pura barganha e interesses
outros, a gente consegue dar um colorido de fantasia, bem própria
dos que vivem do trato das artes de das letras.
.........É que a verdade
é bem interessante, amigos. Haroldo Lívio, cidadão
brasileiro, brasilminense de nascimento, montes-clarense de
coração, agora assina um atestado de amor à
terra de Grão Mogol. Assina e paga. Paga com toda a força
que o dinheiro põe e dispõe no mundo moderno,
mesmo em se tratando de coisas antigas. Haroldo Lívio
– é bom dizer logo – acaba de efetuar uma
transação comercial de alto coturno na cidade
de Grão Mogol. Comprou e pagou e tomou posse, com registro
em Cartório, mediante todas a cláusulas, inclusive
a de evicção.
.........Haroldo Lívio,
ou melhor, Doutor Haroldo Lívio de Oliveira, brasileiro,
advogado, casado com a socióloga, D. Maria do Carmo,
é hoje senhor de um solar antigo e sensorial na cidade
de Grão Mogol. Senhor legítimo de uma antiga casa,
grande e imponente, construída possivelmente por mãos
escravas, de paredes de pesadas pedras, escavadas com o suor
do século passado. Caso de amor à primeira vista,
Haroldo embeiçou-se pela nobre vivenda e sentiu-se imediatamente
na pele de um poderoso grão-proprietário, dono
da segurança de uma fortaleza ao mesmo tempo urbana e
histórica. Viu e gostou. Gostou e comprou. Comprou e
pagou. Pagou por ser o incontestável possuidor da possuída
posse.
.........A casa de Haroldo, amigos,
não é uma casa comum, que a escritura diz construída
de alvenaria, de simples e perecíveis tijolos. É
obra granítica, com paredes de meia braça, a sustentar
janelas coloniais, portas imensas, de duas bandas, com pesadíssimas
traves e ferrolhos, frutos, não só da segurança
mineira como da senhorial competência de suados ferreiros
de antanho. A casa de Haroldo, de telhado de aroeira lavrada
a golpes de enxó por mãos competentes, tem repetidas
ripas de jacarandá! As paredes das salas mais nobres
são revestidas com lambris e o piso é digno das
passadas de um comandante-centurião. Na frente, o arquitetônico
ornato de uma resistente cimalha dá o toque do poderio
e da força de uma escolha consciente do construtor e
mestre-de-obra, orgulho da arte de cantaria.
.........O fundo do nobre solar,
após generoso quintal de frutos opimos, divisa com as
mais cristalinas águas do rio de areias brancas, leito
de pedras polidas, barrancas atapetados de grama verdinha e
capim gordura. Ao longe, mas não muito distante, o perfil
elegante de centenárias árvores a formar moldura
com o azul de ferrugem das serras e a linha cinzenta-celeste
do horizonte. Tudo uma graça, um encanto para os olhos
e um prazer para o coração...
.........Por tudo isso, pelo amor,
pelo romantismo da decisão comercial, pela poesia, pelo
gosto, pela nobre humildade e pela humilde nobreza de sã
consciência, prevalecendo-me não sei de que autoridade,
não tenho dúvida de atribuir a Haroldo Lívio,
culto e intelectual senhor das Minas Gerais, o Título
de Barão de Grão-Mogol.
HERMES
AUGUSTO DE PAULA
.........Foi
com morosidade que as quase trezentas vozes, que pareciam mais
de mil, pausadamente, atenderam o pedido de silêncio do
diretor José Nildo e Silva para o início dos trabalhos
da segunda Sefam”, o seminário dos professores
e alunos da Faculdade de Medicina. Era uma quarta-feira, meio
de semana, com suspensão de aulas para a maior avaliação
até hoje feita pela nossa Faculdade, um cuidado necessário
para enfrentar o presente de dificuldades e o futuro de incertezas.
O diretor chama para dirigir os trabalhos, o patrono do D. A.
e primeiro dirigente e organizador da escola, Mário Ribeiro.
Caberá a ele, Mário, a formação
da mesa, o anúncio maior da finalidade do encontro. Poucos
nomes são declinados e, quando se levantam, caminham
sob aplausos de alunos que sabem admirar seus professores. Apenas
dois professores de fora são nomeados, fora da mesa,
com permanência no auditório: o professor Álvaro
de Azevedo Ávila, diretor da Fadir e representante da
FUMN, e eu, representante da Fafil. Olho, ao lado, e vejo, triste
uma grande omissão; Hermes de Paula fica esquecido, não
é lembrado, muito embora o Cláudio Pereira, também
ex-diretor, esteja mais atrás, também sem menção.
.........Iniciados os trabalhos,
com apresentações objetivas, curtas como devem
ser, o diretor fala da fundação da escola, de
sua finalidade, anuncia uma palestra sobre a história
de todas as lutas e sofrimentos nestes anos iniciais. Volta
a palavra ao mestre Mário Ribeiro (nessa noite, de Cerimônias)
e, este faz o anúncio maior:
.........“No
auditório está o idealizador da Faculdade de Medicina
do Norte de Minas, o homem que tomou os primeiros passos para
a sua criação, o homem que me convidou para primeiro
diretor. Convido-o para tomar o lugar que lhe compete, que é
seu por direito; que é seu pelo desejo maior de todos
nós. Recebamos Hermes de Paula, o nosso maior nome nesta
Escola. A sua cadeira o espera, Hermes. Venha nos dar a honra”.
.........E com dificuldade que
o doutor Hermes de Paula se levanta e encaminha-se para o estrado
da mesa diretora. Para subir, é necessário o amparo
de uma mão amiga. Nunca se presenciou tantos e tão
demorados aplausos. A turma, de pé, bateu palmas como
se estivesse batendo pela última vez, numa gratidão
que só se tributa a um grande herói, herói
e amigo.
.........É nessa hora que
vem a verdadeira declaração do primeiro dia de
trabalho da Sefam. O diretor José Nildo lê a resolução:
Hermes de Paula é declarado o primeiro Doutor Honoris
Causa da Faculdade de Medicina, uma honra que lhe é deferida
pela capacidade e por um milhão de méritos como
o maior de todos os montes-clarenses. Nova ovação.
Alegria e sentimentalismo. Existe algo no ar que ninguém
sabe o que é. Aquele não é o momento qualquer
nas estórias da vida. Existem minutos que valem por um
século. Ou mais...
.........Hermes de Paula toma a
palavra. Não vai falar muito, que não é
de discursos. “Senhores, formei-me em Medicina em 1937,
em Niterói. Vital Brasil, um dos homens mais famosos
na Medicina brasileira, convidou-me para trabalhar com ele,
no seu Instituto ganhando um dos melhores ordenados que um profissional
poderia desejar ou sonhar, Cr$1.800. Além de ganhar tanto
dinheiro, muito para a época, eu teria a oportunidade
de ser também muito famoso. Mas, a saudade de Montes
Claros, a lembrança dos meus amigos não deixaram
que eu ficasse lá. vim para cá. Em todos estes
anos, questionei-me se eu não havia cometido um grande
erro, escolhendo a minha terra, numa vida humilde e trabalhosa.
Às vezes, eu achava que tinha feito o certo... Hoje,
porém, sei que não poderia ter tomado uma resolução
melhor. Eu fiz bem em vir para Montes Claros. Senhores, muita
coisa me tem acontecido, todas gratas e muito tenho agradecido
a Deus, por elas. Mas, se nada tivesse ocorrido, só esta
noite, só esta cerimônia, só o fato de estar
recebendo este diploma das mãos e dos corações
de vocês, eu posso dizer com toda a minha convicção:
valeu a pena. Valeu. Muito obrigado a todos”.
.........Dois dias depois, Hermes
de Paula se despediu de Montes Claros, para a viagem eterna.
Para nós também, valeu a pena a vinda dele. Valeu!
Hermes
de Paula e o Folclore
.........Com
o terceiro artigo a respeito de Hermes de Paulo e do seu livro
sobre a história de Montes Claros e de sua gente, espero
ter cumprido a obrigação de despertar muitos de
nossos leitores do JORNAL DE DOMINGO para uma necessidade cultural
de relembrar outros do vasto leque de interesse folclórico
e genealógico de que dispomos nesta velha terra de Gonçalves
Figueira. Creio que falar de Hermes de Paula, suas vivências,
seus costumes, suas gentes é o melhor caminho para a
construção do edifício histórico
de Montes Claros. É bem verdade que muita coisa ainda
deve e precisa ser escrita, no presente e no futuro, mas, mais
verdade ainda é que ninguém poderá faze-lo
sem partir primeiro do alicerce erigido por Mestre Hermes de
Paula.
.........Com Hermes, vemos e revemos
o bumba-meu-boi, as folias de Reis, a dança de São
Gonçalo, as marujadas, os catopês, as cavalhadas,
as penitências para chover; com Hermes, ouvimos e aplaudimos
as cantigas de ninar, as rezas e benzeduras, as cantigas de
roda. Com ele, sentimos a dureza das secas de noventa, noventa
e nove, trinta e nove, o tempo bom e o tempo bravo. Com ele,
visitamos as lapas, lapinhas, laponas, que não são
poucas; vemos os gambás, os caxinguelês, os tamanduás,
os saruês. Com ele, reconhecemos todos os tipos de madeiras
das nossas florestas tamburil-de-cheiro, violeta, sucupira,
pau-de-abóbora, jacarandá-muxiba, catinga-de-porco.
No seu livro, aprendemos as virtudes de todas as nossas plantas
medicinais, entre elas a losna, a salsa, a alfavaca, o manjericão,
a quina-de-barroca e a catuaba, estas últimas, no dizer
do povo, mui valentes afrodisíacos, excepcionais para
levantar coragem.
.........Sobre a arruda, planta
que dá sorte, diz Hermes de Paula que é santo
remédio para cólica, como chá ou queimada
na cachaça; serve como linimento usando a folha pura;
o sumo é próprio para dor de ouvido e, no geral,
atacado e varejo, é tiro-e-queda para benzer contra quebranto
e mau-olhado. Esqueceu-se, no entanto, de dizer que arruda,
folha ou galho, evita feitiço e é um tremendo
escorrega-menino, na hora de parto de mulher.
.........“Montes Claros,
Sua História, Sua Gente e Seus Costumes” é
um repositório de ótimas informações
sobre tudo que é Montes Claros: fundação
de clubes sociais, de escolas, de hospitais, instalação
de comércio e de indústrias, fundação
de órgãos de imprensa, movimento religioso, incêndios
maiores e até informações sobre o dia em
que alguém, por aqui, chupou o primeiro doce gelado,
também chamado de picolé. Algumas observações
curiosas do livro: os jovens Antônio Augusto Veloso e
Antônio Augusto Tupimbá foram os últimos
que ganharam discursos e festas no dia da chegada depois da
formatura do curso superior. Pedro Santos, o famoso Pedrão
70, senhor de muitas lendas, não é de Montes Claros
porque nasceu em São João da Ponte e estudou em
Ouro Preto, Juiz de Fora e Niterói. Curioso é
que Pedrão foi o maior campeão de corridas de
todos os tempos, jamais batido em 200, 400 ou 600 metros, o
que o levou a ser também um bom craque do futebol nacional.
.........Tendo sido eu um dos colaboradores
da segunda edição do “Montes Claros Sua
História, Sua Gente e Seus Costumes”, sinto-me
dono de uma gratificante tarefa, contente e bem recompensado
pelo alto valor do livro. Afinal, não é todo dia
que podemos ser companheiros de páginas de tão
ilustrada companheiragem, principalmente de Hermes de Paula,
premiado com medalhas dos governos de Minas e São Paulo
e detentor da mais vasta soma de conhecimentos sobre Vital Brasil,
conferencista elogiado e aplaudido em muitas capitais, homem
do sertão e das serenatas, defensor do pequi e do pequizeiro,
intelectual e pragmático, sem dúvida alguma, o
melhor fazedor de arroz-de-tropeiro e de quentão do mundo...
IRMÃ
DE LOURDES
.........Minha querida irmã
de Lourdes, como são lindos os teus versos nos cantos
da manhã de azul! Quão saudoso é o São
Francisco, teu vassalo e o rio-mar, tristeza e alegria de todas
as lembranças da mocidade! Como são lindas as
manhãs imponderáveis, os fios de horizontes de
contraste com as horas mais doces! Quanta sensação
de cheiros e de cores de todas as rosas dos arminhos dos verdes
anos! Januária, Januária, há coisas mais
lindas no amor? Todos os sonhos se realizam no espaço-tempo
de um belo coração. Tua poesia, Irmã de
Lourdes, teu ‘Caderno de Lembranças’ é
a luz mais clara da infinitude da alma, um halo da cor do céu,
reflexo de águas mansas que passam numa eternidade!
.........Teus pescadores singram
um rio de sonhos e se alimentam de brisas de todos os mares
da imaginação!
.........Gostei imensamente da
amorosa adjetivação do ‘Caderno de Lembranças’,
livro de poesia dos mais coloridos substantivos, abstratos para
a vida comum e concreto para o pensar do artista. Versos de
angelitude e de fé, gratificantes do mais santo poetar.
No mundo sem ser do mundo, reais no aqui e no agora, jamais
abandonam o espaço-tempo de quem sabe voar no mais verde
da esperança. Irmã de Lourdes é namorada
do azul e, queira ou não, suas personagens terão
sempre o colorido das águas e do céu do São
Francisco: Celeida, Celeste; Marina e até Dulce, com
doce de perfume de infinito! Há nobreza nas flores, há
nobreza nas pedras, haverá sempre jóias para enfeitar
a amizade sempre próxima dapureza do encanto. Grata aos
que sabem viver pelo estudo e pelo amor, Irmã de Lourdes
desfila uma galeria de nomes de reconhecido valor: Yeda, Genoveva,
Jacy, Heloísa, Luiz de Paula, Antônio Augusto Veloso,
das Irmãs Guiomar e Edmunda.
.........Irmã de Lourdes,
como irmã e como professora, tem, naturalmente, um seu
mundo bem diferente do nosso.
.........Não tem como não
poderia ter muitas das nossas imediatas preocupações,
tão naturais à guerra da vida de todo dia. Seu
universo é povoado de muito futuro, quando pensa nas
outras pessoas, e de muito passado, quando pensa em si mesma.
O presente não importa quando ela vê – e
é bom que isso aconteça sempre – o lado
bom dos que passam pela sua amizade e carinho. Assim, suas flores
são lírios, rosas, jasmins, miosótis, o
tão grato manacá todas vivas de transparência,
exalando perfumes de amor! O cristal, o diamante, a turquesa,
a esmeralda são nuanças do verde-azul do rio de
Januária, ou do mar de Olivença tão vivos
no coração. Quando fala de rubis não quer
dizer outra coisa que o pulsar dos ante-crespúsculos
presentes no rio natal.
.........As cidades de Irmã
de Lourdes acordam a voz dos séculos e marcam muitos
sóis de primavera no texto suave da Boa Nova, na mais
linda das mensagens de todos os tempos. Através dos versos
o perfume do Líbano, lembranças dos cedros; a
alma do Sião, mensagem de aguadeiras e de pastores, orvalho
de manhãs de intensa luz; o barulho juvenil de Cades,
movimentação de dançarinos e mercadores;
e esperança de Jericó, lugar sagrado de encontro
entre a verdade e a fé. As cidades da Irmã de
Lourdes têm o azeitonado tom de Olivença, o brilho
de névoa de Friburgo e todas as sequências de matizes
das mais ternas de todas as cidades do mundo: Januária
e Montes Claros.
ISAU
RODRIGUES DE OLIVEIRA
.........Segundo Emmanuel, a vida
seria muito chata se tudo nos fosse fácil e independente
de nossos esforços. O que dá gosto pela vida é
saber que soubemos vencer as adversidades para chegar à
vitória, ao sucesso. O importante é ter consciência
de cada momento que buscamos o alimento, a saúde, a boa
disposição ao trabalho, o descanso merecido, o
entender e ser entendido, o amar e ser amado. É por isso
que dizemos em nossas preces aos nos levantar e ao prepararmo-nos
para dormir: dá-nos hoje a tua proteção,
dá-nos sempre, Senhor. Jamais nos esqueçamos que
- no dizer de Tiago - a fé sem obras é morta.
Qual o proveito em dizer que temos fé mas não
temos obras? Preciso é fazermos sempre o melhor, porque
Deus não trabalha exatamente em cima da nossa ansiedade,
mas em cima do nosso merecimento. O que é nosso, o que
a nós deve ser destinado acontece na hora certa! As coisas
acontecem exatamente quando devem acontecer! Busquemos sempre
a sintonia do Amor em nossas vidas, e tudo estará sempre
nos devido lugares. Sendo o trabalho lei da Natureza, cada qual
de nós, seja de onde for, estará sempre construindo
a própria vida, isto é, a vida que deseja. Em
verdade, a nossa existência e as nossas experiências
são a soma
de tudo o que idealizamos e construímos. Toda melhoria
que realizarmos é melhoria na estrada a que somos chamados
a percorrer. Outra coisa: muito difícil vivermos bem
se não aprendermos a conviver. A vida por fora de nós
é a imagem daquilo que somos por dentro. Viver é
a lei da natureza, mas a vida pessoal é a obra de cada
um. Muitas coisas fazem parte de nós para nos defender
do mundo externo, geradas pela nossa própria mão
e pelo nosso próprio pensamento. Os orientais dizem:
- Para você beber vinho numa taça cheia de chá
é necessário primeiro jogar o chá fora
para, então, beber o vinho. Ou seja, para aprendermos
o novo é essencial deixarmos para trás o velho,
visar e revisar valores, adaptarmo-nos a novas circunstâncias,
a novos modos de ser, pensar e de agir.
.........Depois
de ler e reler O VÔO DO ALBATROZ, candente relato existencial
do amigo Isau Rodrigues de Oliveira, menino de Taiobeiras, homem
de Montes Claros, Minas e Bahia, homem do Mundo, vejo realmente
muito mais que uma biografia, bem mais que um texto confessional,
tudo muito acima do colorir esforços e superações.
Trabalho a quatro mãos - do próprio Isau e da
escritora Cyntia Pinheiro - são quase cem páginas
didático-pedagógicas de um verdadeiro self-made
man, ator e diretor de uma vida no plano pessoal e profissional
merecedora de todo o nosso respeito e máximo de admiração.
História envolvente em todo o seu conteúdo, tenho
certeza de que qualquer leitor a lerá em um só
fôlego, tal a composição lógica e
emocional, mais do que tudo humanamente colorida.
.........A melhor forma de aprender
ou ensinar é acima de tudo imprimir bons e significativos
exemplos. E o exemplificar em nossas vidas exige que dediquemos
tempo e amor a todos os nossos sonhos e nossas atividades, sejam
quais sejam os esforços e sacrifícios. O prof.
Rubens Romanelli, pensador e poeta, quase um santo nas salas
de aula da UFMG e nas reuniões do Evangelho, dizia-nos
com lições do Mestre Jesus: “QUANDO te julgares
incompreendido pelos que te circundam e vires que em torno a
indiferença recrudesce, acerca-te de Mim: eu sou a LUZ,
sob cujos raios se aclaram a pureza de tuas intenções
e a nobreza de teus sentimentos; QUANDO se te extinguir o ânimo,
as vicissitudes da vida e te achares na iminência de desfalecer,
chama-Me: eu sou a força capaz de remover-te as pedras
dos caminhos e sobrepor-te às adversidades do mundo;
QUANDO te faltar a calma, nos momentos de maior aflição,
e te julgares incapaz de conservar a serenidade de espírito,
invoca-Me: eu sou a PACIÊNCIA que te faz vencer os transes
mais dolorosos e triunfar nas situações mais difíceis;
QUANDO, enfim, quiseres saber quem Sou, pergunta ao riacho que
murmura e ao pássaro que canta, à flor que desabrocha
e à estrela que cintila, ao moço que espera e
ao velho que recorda. Eu sou a dinâmica da Vida e a harmonia
da Natureza; chamo-me AMOR, o remédio para todos os males
que te atormentam o espírito”. É por isso,
que de manhã, todas as manhãs, apresento ao meigo
Nazareno a minha oração e fico esperando... Para
Isau, felicidade é sabedoria,
esperança, vontade de ir, vontade de ficar, presente,
passado e futuro. Para Isau, felicidade é confiança,
fé e crença, trabalho e ação. Ele
tem vivido tão intensamente, que tudo indica não
ter pressa de ser feliz, porque sabe que a felicidade vem devagarinho,
sem depender de saúde ou de poder, sem ser fruto de ostentação,
de luxo ou de ambição. Para Isau, felicidade é
desprendimento, amor ao trabalho, organização,
subida nos degraus do progresso pessoal e coletivo. Sempre e
sempre uma visão de conjunto, cumprimento de passos e
percursos de uma caminhada regida pela vontade e pela determinação,
resultado de uma ou de cem batalhas. Ele, um campeão,
sabe que as vitórias são alimentadas pelo trabalho
em equipe, porque a grande maravilha do amor é ser um
divino contágio.
.........Também
não importa o que tiraram de nós, o que importa
é o que nós vamos fazer com o que sobrou. Nunca
podemos nos esquecer de que o sol que brilha, a nuvem que passa,
o vento que ondula, a árvore que se ergue, a fonte que
corre, o fruto que alimenta e a flor que perfuma, toda a riqueza
das horas tudo depende da proteção do Grande Arquiteto
do Universo. Como cada um é o arquiteto do próprio
destino e a vida é a soma de todas as escolhas, devemos
saber que a honra é levantar-se a cada vez que se cai.
Concluo este prefácio, pensando no carma positivo de
Isau, para ele mesmo e para as pessoas próximas a ele,
ou melhor, para todos nós os seus amigos.
IVAN
DE SOUZA GUEDES
.........Louvemos as pessoas, em
primeiro lugar, pelas obras com que beneficiam o tempo e o espaço
e que beneficiam cada movimento do bom viver e da boa convivência.
Consideremos, sobretudo, seus atos de fé, seus gestos
de gentileza, sua atuação perante a família
e os amigos. Consideremos, com o melhor da nossa consciência,
os que vivem sempre para o progresso dentro e fora do trabalho.
Benditos os que permitem a esperança, os que têm
palavras de estímulo, os que são e que estão
no caminho do bem e do socorro ao próximo.
.........Bem-aventurados os que,
mesmo nos gestos simples de cada dia, se tornam benfeitores,
que têm a felicidade não como estação
de chegada, mas como um modo de se movimentar para o futuro.
Para estes, não existem cargas mais leves, mas sim ombros
fortes e apropriados à tarefa de cada dia; não
há ponto final no amor, porque o amor é vida e
a felicidade é o melhor jeito de ser e de viver.
.........Mesmo conhecendo com minúcias
a vida do amigo e do meu mais considerado colega de escola,
surpreendo-me com “IVAN DE SOUZA GUEDES, este grande brasileiro”,
livro fruto das pesquisas e da lavra literária da historiadora
Zoraide Guerra David, lente e foco ao mesmo tempo de uma vida
cheia de grandeza, sincero retrato de corpo inteiro para o agora
e para o sempre: Ivan e família – fundamento sólido;
Ivan e Montes Claros, terra dadivosa; Ivan , o empresário;
Ivan e a expansão da Minas Brasil; Ivan e sua inter-relação
humana e comunitária; Ivan nas comemorações
especiais e nas homenagens que tem recebido; Ivan, uma referência
e o reconhecimento público.Tudo de vida e ação,
tudo de fé e esforço, tudo certeza no valor do
trabalho, e acima de tudo, uma confiante esperança de
quem sabe o que quer e a que veio. O importante não é
passar pela existência, é viver!
.........Minha confreira Zoraide
foi bastante feliz em todos os registros da biografia de Ivan,
o filho do alfaiate baiano e intelectual Nino de Souza Guedes
e de D. Maria do Carmo, bocaiuvense da melhor estirpe, excelente
mãe de família e educadora; Ivan, o marido da
doutora Mercês Paixão Guedes e pai dos jovens administradores
Leonardo, Lyntton José, Luciano Frederico e Leandro Ivan,
tudo gente do melhor que a vida de trabalho pode oferecer, uma
verdadeira equipe. Em realidade, uma biografia fértil
e bem apropriada diante da riqueza de informações
bastante conhecidas, sempre presenciadas por amigos e clientes
desde a antiga Farmácia São José, de Juca
de Chichico, onde Ivan vendia remédios durante o dia
e aplicava injeções durante a noite, parte por
ser balconista, parte para ganhar mais uns trocados para ajudar
a família e para pagar os estudos no Colégio Diocesano
e no Instituto Norte Mineiro de Educação, escolas
em que fizemos o segundo grau e concluímos o curso de
Contabilidade. Sempre de pé, sempre olhos nos olhos,
sempre se movimentando, Ivan nunca se negou a ouvir um cliente
em necessidade de um conselho ou do aviamento de uma receita
médica. Atendimento nota dez, o selo do sucesso!
.........Como deixou claro Alberto
Einstein em alguns escritos, “Não podemos viver
felizes, se não formos justos, sensatos e bons; e não
podemos ser justos, sensatos e bons sem sermos felizes”.
“Evidentemente, nós existimos em primeiro lugar
para as pessoas queridas, de cujo bem-estar depende a sua felicidade
e a nossa; depois para todos os seres, nossos semelhantes, que
não conhecemos pessoalmente, aos quais, entretanto, estamos
ligados pelos laços da simpatia e fraternidade humana.”
Se o amor não é eterno, eterna tem que ser a capacidade
de amar. Para Cora Coralina, “Todos estamos matriculados
na escola da vida, onde o mestre é o tempo”, pois
como bem disse Benjamim Franklin “A melhor coisa que você
pode dar ao inimigo, é o seu perdão; ao adversário,
sua tolerância; ao amigo, sua atenção; aos
filhos, bons exemplos; ao pai, sua consideração;
à mãe, comportamento que a faça sentir
orgulhosa; a todas as pessoas, caridade; a você próprio,
respeito.”
.........Inteligente, empreendedoramente
fértil, determinado, consciente no ser e no agir, Ivan
nunca teve um dia sem proveito de aprendizagem e da realização
do bem. Sempre ao lado de Mercês e, ultimamente, dos filhos,
cresceu e multiplicou ao mesmo tempo em que Montes Claros progrediu
em tamanho e em qualidade. Das pequenas drogarias das ruas D.
Pedro II e Camilo Prates, fincou pé na Doutor Santos
com Padre Augusto e, hoje, lidera o comércio farmacêutico
no centro e praticamente em quase todos os bairros da cidade,
cada ponto comercial com mais recursos e mais modernidade. Viajante
internacional bom observador, soube, juntamente com Mercês,
e mais tarde com os filhos, fazer todas as adaptações
que o seu comércio permitia e o conforto da clientela
podia exigir. O último feito foi a instalação
de uma luxuosa perfumaria, que nada deve à praticidade
e à beleza das encontradas nos modernos shoppings e nas
lojas duty free dos melhores aeroportos do mundo. Progredir
é qualificar-se para o presente e para o futuro.
.........Bonita, admirável,
material e espiritualmente encantadora a vida de Ivan, meu companheiro,
meu amigo próximo em quase sessenta anos, seja na escola,
seja na vida. Bem sei das quantas dificuldades teve que superar,
do quanto teve que se esforçar, do quanto teve que aprender
ao longo da vida. Agora, que Zoraide Guerra David grava em letras
e imagens este portentoso registro, muito mais justiça
será feita por quem o conhece no dia-a-dia ou por quem
tiver notícia deste livro “IVAN DE SOUZA GUEDES,
ESTE GRANDE BRASILEIRO”. Ivan e sua família têm
todos os merecimentos. E que Deus os conserve sempre e sempre!
JOÃO
CHAVES
.........Não
acredito que alguém tenha conhecido João Chaves
para mais cedo ou mais tarde vir a esquecê-lo. João
Chaves não era um homem comum, desses que passam despercebidos
num dia de feira no mercado, numa passagem pela rua, ou mesmo
no longo espaço da vida. Não nasceu ou viveu para
permanecer oculto ou não observado hora nenhuma.
.........Não tinha vocação
de anonimato nem o sensabor das existências simples. Mesmo
não querendo impor-se, parecer, muitas vezes até
com certa dose de timidez, não tinha como deixar de ser
o centro das atenções em qualquer lugar onde estivesse.
Tinha figura, tinha voz, tinha um quê de dureza e de poesia
mescladas por um temperamento quase irônico e sagaz. Era
uma pessoa constante e sempre presente.
.........Conheci-o, ele já
na casa dos sessenta, sentado próximo ao balcão
da farmácia de Mário Veloso, numa roda de amigos,
ali mesmo na esquina das ruas Padre Augusto e Camilo Prates,
onde o bate-papo ia do político e do literário
até o familiar. Não eram, como se podia ver, reuniões
tão simples em que um ou outro freguês afoito ou
intrometido pudesse entrar, procurar um dedo de prosa ou dar
uma informação... Era um verdadeiro encontro de
barões, gente bem posta na vida, intelectuais, comerciantes
de prestígio, profissionais liberais, fazendeiros de
muitas leituras, e gente nova ninguém. Mulheres, só
de “boas tardes” e “bons dias”, “recomendações
à família”, quando muito... Círculo
fechado, só de notícias importantes, assuntos
graves, ideias reverenciadas com o domínio do perfeito
saber...
.........Vi
João Chaves muita vezes quando ele, mais popular, sentava-se
com outros amigos nos bancos da praça Doutor Carlos,
em frente à Farmácia Americana ou da loja de Cica
Peres, bem embaixo dos “flamboyants”. Era quando
a prosa, os sorrisos ou mesmo os gracejos sobre assuntos do
cotidiano nunca impediam que olhares discretos pousassem nas
belezas virgens de muitas estudantes que por ali passavam, indo
ou vindo dos colégios, ou subindo para o Instituto. De
quebra, ainda havia o eterno feminino de belas senhoras das
compras na Imperial, na Casa Alves, nas Pernambucanas, para
quem olhares furtivos, de soslaio admiração, jamais
poderiam faltar. Eram horas de alegrias na vida de João
Chaves.
.........Mas, de todas as lembranças
que tenho de João Chaves, a mais marcante é a
do homem estudioso do Direito, do devorador dos códigos,
do jurista brilhante, terror dos adversários forenses.
Encontrei-o várias vezes rodeado de livros, grossos volumes
encadernados e velhos pelo manuseio, arrumados, atirados de
lado, abertos nas mesas, nas cadeiras e até nos pés
da cama ou do lado do travesseiro. Sua biblioteca era a casa
inteira da sala de visitas ao quarto de dormir. Colega de Lola,
na Faculdade, nem sempre o via com cara de amigo, mas com discreta
atenção, homem educado que era. Deve ter morrido
num momento de atenciosa leitura, mesmo que não tivesse
um livro diante das vistas. Foi sempre um intelectual consciente.
Um momento gratificante na vida de Montes Claros. Um tipo inesquecível.
JOÃO
DE PAULA
.........Ainda em Brasília,
final de período de trabalho, já com o olho no
caminho de Montes Claros, recebo a notícia do passamento
do grande irmão, o bom vizinho da Rua São Sebastião.
Olímpia me diz com tristeza, numa voz de muita saudade,
que João acabara de nos deixar. Sereno, seguro, sem alarido,
cheio de fé como sempre viveu, quase alegre e justo sabedor
do próprio destino. Um verdadeiro João de Paula,
homem sábio, racional, de costumes ilibado, religiosamente
livre como um condor de grandes alturas. Um mestre que encantava
a todos, principalmente nos seus últimos anos de vida
de arte quase mística, pirografando umburanas, cedros,
bálsamos, madeiras que perfumavam o corpo e a alma. Tudo
passa, e João de Paula também tem que passar.
A hora sempre chega!
.........Agora,
já mais distante, ermo a perspectiva, faço distância
para ver melhor o companheiro João de Paula. Para ver
e analisar. Para ver e admirar. Para ver e sentir. Mais de longe
é possível ver o irmão por inteiro, de
pé a caminhar firme num destino traçado por Deus
e por ele mesmo, cavaleiro andante de muitos sonhos. João
poetou a vida no que ela tinha de colorido mais suave.
.........De pouca ambição
e muita coragem, fez da existência um doce, combate, uma
luta inteligente e sem pressa, quando muitas vezes sentia-se
vencido e vencedor ao mesmo tempo. Um homem de horizonte sempre
azul como bem disse o seu primo Luiz de Paula, da mesma coragem
e do mesmo sangue. João de Paula um homem da cor do céu,
de brilho da turquesa e do cobalto como luz de infinito em dia
claro.
.........Mas
como era mesmo o cidadão marido de D. Lea e pai de Iran,
Paulo, Acácia, Verônica, Marta, Graça, Raquel,
Neuza e Fabíola? Como era o irmão de Hermes e
Maria de Paula? Como era o futuro químico que deixou
os estudos para se casar, mas que , farmacêutico em Pires
e Albuquerque, receitava e curava doentes? Como era o comerciante,
o industrial, o artista, o filósofo, o maçom,
o rotariano, o espírita, o contador de estórias,
o cronista, o poeta, o conselheiro? Como era o amigo solidário
de todos os amigos? Como era o homem de nunca esconder ideias,
de nunca ter medo de ser verdadeiro? Como era você. João
de Paula?
.........Quem conheceu João
de Paula é que pode saber quem foi João de Paula.
Que memória prodigiosa de historiador e genealogista,
que narrador empolgante, que grande cultivador de amizades.
Tolerante de incrível capacidade de perdão, João
foi um sábio abridor de caminhos para ensinar bondade
a muita gente. Oitenta e três anos de magistério
de amor, Mensageiro de luz! Desta mesma luz, que pedimos a Deus,
João de Paula ilumine infinitamente a sua trajetória
de eterno trabalhador.
JOÃO
LUIZ DE ALMEIDA
.........De minha parte, já
peguei o bonde andando, no agitado ano de 1954, logo depois
que o Colégio Diocesano fechou o curso noturno, preparando-se
para ser mudado em seminário. Toda a nossa turma, inclusive
uma maioria que não estudava à noite, foi jogada
à força no velho Instituto Norte Mineiro de Educação.
Pobres, ricos, trabalhassem ou não trabalhassem, ir para
lá era o nosso destino, pois outra escola não
existia, de modo a darmos continuidade nos programas e na vida.
Seguimos, então, o único caminho, único
e natural, mudando de uniforme e trocando de filosofia, permutando
uma preparação acadêmica por um trabalho
de natureza prática, até certo ponto mais condizente
com o futuro profissional, fosse qual fosse. Em vez de padres
e seminaristas, agora a companhia de moças de lojas e
de escritórios, pingando de vez e quando uma ou outra
dona de casa compenetrada e séria. Reais alunos de curso
noturno, cansados, suados, todos com aquela disposição
de vencer a qualquer custo.
.........O Instituto era escola
de trabalho, destinado a formar profissionais para a contabilidade,
redatores, datilógrafos, gente prática para a
vida, gente para dar duro em todas as atividades, pau-prá-toda-obra.
A propaganda maior era que, por lá, havia passado a fina
flor de homens vitoriosos em todos os campos de atividade, entre
muitos Ubaldino Assis, Necésio de Morais, Mário
Ribeiro, uma maioria de bancários, contadores e gerentes
do comércio local, assim como alguns jornalistas, professores
e intelectuais de nomeada. Ninguém poderia tornar-se
um grande político ou um seguro homem de negócios
sem passar pela experiência do Grêmio do Instituto.
Era lá a grande escola de civismo, uma espécie
de bastião da liberdade e do humanismo, do livre pensar
e do melhor agir.
.........Lembro-me de lutas homéricas,
antes, durante e depois das sessões do grêmio.
Lembro-me de esforçados líderes e nervosos partidos
criados depois do ingresso dos novos, dos recém-chegados,
algo parecido com intrusos novos-ricos não acostumados
aos ditames da casa. Os que se consideravam os institutenses
verdadeiros, os de primeira matrícula, eram os diletos,
os preferidos da família diretora, gozando todos de uma
liderança bastante expressiva do Newton Baleiro, do lado
de fora, e do João Luiz Filho, do lado de dentro. De
quebra, havia o Luizinho, o Nelsinho, a Nadir, de vez em quando
a Nini e o próprio Doutor João, cada um com uma
força, um prestígio, um mando diferente, mas nenhum
peso-leve. 0 Doutor João, quando aparecia com os cabelos
alvoroçados como se não tivesse visto pente, testa
franzida, sobrecenho carregado era um deus-nos-acuda, um furacão
de fúria, fazendo aparecer tudo de errado que houvesse.
.........De sério, por parte
dos alunos, também havia muita gente, compenetrados solteirões,
dignos pais de família, e até gente nova com jeito
de gente velha. Havia o Manoel Neves, comerciante bem de vida;
o Joel Silveira, estudioso da Bíblia, quase pastor e
fazendeiro; o João e o Terezo Xavier bem postos alfaiates,
ora caladões, ora conselheiros; havia o Raulemar Couto
e o João William, novos, quase meninos, mas de um respeito
que merecia admiração. Pelo lado dos professores,
lembro-me da fama de carrasco do professor Heráclides
Leite Ferreira, baiano e matemático que havia se casado
com uma aluna, a Nadeje; do professor José Márcio
de Aguiar, ex-seminarista, literato e filósofo, meu conselheiro
nos primeiros tempos de jornalismo; o José Bispo, de
boa fama na capacidade, mas tão terrível nas notas,
que alguns alunos, por vingança, furavam, de vez em quando,
os pneus da sua bicicleta. 0 Necésio de Morais foi o
melhor mestre de contabilidade que conheci. Domingos Bicalho
era a organização em pessoa. Mas de bom visual,
além de um alentado time de mocinhas, havia uma bonitona,
caixa das Casas Pernambucanas, bem vestida, bem pintada, tão
elegante que, no primeiro dia de aula, todos nós nos
levantamos para recebê-la pensando tratar-se de professora
de muito respeito.
.........O
Instituto era um caldeirão fervente, com o Júlio
Pereira e o Ferreirinha a fazer política; Thiers Penalva,
Carlaide Pereira a jogar futebol; Zezinho Evangelista e Waldir
Veloso a agitar a política; Sebastião Mateus e
Norberto Custódio na seriedade, e Adauto Freire a comandar
a jovial anarquia. No meio de tudo, uma figura com absoluta
liderança, na violência ou na ternura, como pai
e como algoz, como irmão e quase como colega: o velho
mestre João Luiz de Almeida, autoridade máxima
de uma geração, o mais liberal de todos os ditadores.
JOÃO
VALLE MAURÍCIO
.........Chega a Academia Mineira
de Letras o menino da Fazenda do Pequi, o mais apaixonado dos
sertanejos do mundo montes-clarense do fim de século
vinte. Não chega só o homem, chega o rapaz, o
garoto, o menino vivedor de banhos do rio Vieira e de vaquejadas
da outra banda do Pai João, na velha Fazenda dos Maurícios.
Chega já quase velho e saudoso, prenhe de alegrias e
de mágoas de um passado bem vivido, humanamente bem aproveitado
em todas as horas fruídas da rica existência, sempre
cheia de sentimentalismos, paixão ardente sem meias-medidas,
amigo ou inimigo, companheiro incondicional ou adversário,
toda simpatia ou logo bem votada antipatia a quem não
lhe merece o amor. Chega à Academia Mineira de Letras,
saudoso por um dos maiores homens das Letras atuais da Língua
Portuguesa – o Acadêmico Aires da Mota Machado Filho
o – nosso conterrâneo João Valle Maurício.
.........E
é com incontida alegria que o saudamos por mais esse
encontro com a experiência e com o reconhecimento do mérito,
estando onde já deveria estar há mais tempo, pois,
excelências no escrever e no narrar nunca lhe faltaram.
Contador de estórias de nossa gente, limitadas pelo sabor
do nosso viver, João Valle Maurício sempre ganhou
a universidade do sentimento do sertão, marcando dramaticamente
facetas sensíveis das almas mais simples, com espertezas
só encontradas na sabedoria brasileira. Criador de figuras
bem nossas, muitas delas esboçadas de ouvido no mourejar
do consultório mé-dico ou nas conversas descansadas
nos sítios e nas fazendas, é ele um desbravador
de consciências, com visão só própria
aos que querem tirar todo proveito da vida, como se cada oportunidade
fosse uma só. Um sempre apaixonado e aproveitador de
belezas.
.........Creio que é mais
importante ser membro da Academia Mineira de Letras do que Secretário
de Estado. Secretários existem à centenas, nomeados
ao sabor da política ou da politicagem, substituídos
e sempre substituíveis pelas marés dos interesses
nem sempre lícitos. Acadêmicos, ou contrário,
vivem em listas fechadas de quarenta, só despedidos quando
a vida não quer viver mais. Imortais representam a perenidade
da arte das letras, a visão pluridimensional do belo
de todos os sentimentos humanos. Não quero dizer que
não seja bom e gratificante ser secretário, ter
a força do poder, lutar no sobrecomum dos acontecimentos
do governo, por e dispor para o bem público. Ser Secretário
da Saúde deve ter sido ótimo para Maurício.
Melhor, porém, é agora ser membro vitalício
e imortal da Academia Mineira de Letras, uma das três
mais acreditadas do país, tão importante que tem
homens como Afonso Arinos de Melo Franco e Vivaldi Maneira tão
seguro de si que recebe figuras exponenciais de estadias como
Juscelino e Tancredo, sem dúvida momentos felizes da
estrutura do pensamento de nossa raça homens de raciocino
raramente encontrados.
.........Quem ganha com a posse
de João Valle Maurício em nossa principal Academia
de Letras é o Norte de Minas, é Montes Claros.
Afinal, só ele, Ciro dos Anjos, e Waldemar Versiane chegaram
lá!
JOSÉ
COMISSÁRIO FONTES
.........Fontes,
o companheiro, o irmão, o amigo, já não
se encontra materialmente entre nós. Há poucos
dias, em uma grande viagem pela eternidade, deixou este agitado
vale de dificuldades, que está sendo o nosso mundo do
terceiro quartel do Século XX. Uma viagem de ida ou de
retorno, não importa, mas uma saída que marca
saudades em todos que lhe queriam muito bem, que no total, são
milhares de corações, aqui, em Montes Claros,
em Ervália, onde nasceu, em Belo Horizonte... Alhures...
Fontes era homem de muitos amigos, de admiração
séria, devotada, carinhosa. Criatura de reconhecimento
e respeito, pois, mesmo no centro de revolto mundo de armadilhas
e problemas, foi sempre pessoa de bem, espírito de escol.
.........Bom brasileiro, bom mineiro,
antes e depois de bom montes-clarense. Um devotado à
causa do trabalho silencioso, do trabalho constante, mais direcionado
para o seu semelhante do que a si mesmo. De esforços
multipluralistas, viveu sem descansos, impregnado do melhor
sentido da vida,
sem abatimentos desnecessários por tristeza que não
podia evitar, sem alegrias desmedidas fora do seu feitio de
sisudez. Acredito sinceramente que Fontes, sem ter nascido em
Montes Claros, foi, nas quatro últimas décadas,
um dos melhores representantes desta terra, comedidamente amado
e desmesuradamente amante de tudo que é nosso. Fontes,
o trabalhador, o operário do bom serviço, sempre
membro ativo da comunidade.
.........Fontes
veio para Montes Claros em 1942, algum tempo depois de ter feito
do curso ginasial em Juiz de Fora, na Academia de Comércio.
Chegou já na profissão que adotaria por toda a
vida, a atividade comercial no ramo dos calçados. Antes,
havia passado por Ponte Nova, Belo Horizonte, Rio de Janeiro,
num caminho do autodidatismo da vida, aprendendo e praticando,
tornando mais rica a cultura, construindo a sabedoria das grandes
almas, aprendendo a agir e servir, elegendo como norma o amor,
o verdadeiro amor cristão, voltado para a felicidade.
Aqui chegou, aqui venceu.
.........Rotariano, a partir de
1951, ainda em companhia de João Souto, nos bons tempos
de Niquinho Teixeira, de Nozinho Figueiredo, de Moreira César,
pouco tempo depois de Sebastião Sobreira. Um rotariano
consciente de lema ‘dar de si antes de pensar em si’,
compenetrado nos direitos e obrigações da sociedade.
Cursilhista dedicado, organizador de primeira hora, líder,
fraternalmente irmão, entusiasta, sindicalista, sempre
ligado ao Sindicato do Comércio Varejista, à Federação
do Comércio, foi ele o grande herói do SESC, conseguindo
trazer para Montes Claros esse trabalho maravilhoso de que todos
somos reconhecidos. Foi colaborador direto na criação
de empresas e entidades de interesse público, como a
Companhia Telefônica, a Companhia de Águas e Esgotos,
a Associação Comercial e Industrial. Incentivador
do Mobral em nossa região, provedor da Santa Casa, Presidente
do Rotary Clube de Montes Claros – Norte e muitas outras
atividades de inteligência e do coração.
.........Fontes, um jorrar de trabalho
e de esforços para o bem comum, não será
esquecido. Cumprindo bem sua missão, em passagem não
muito longa pela vida, gravou indelevelmente o bom exemplo.
Merece a nossa saudade e o melhor do nosso reconhecimento.
JOSÉ
GONÇALVES DE ULHOA
.........Foi na 2ª feira passada,
num salão ainda de grande nobreza, em pleno Centro Inter-Escolar
de Artes, o Lorenzo Fernandez, que o meu amigo José Gonçalves
de Ulhoa tomou posse como membro efetivo da Academia Montes-clarense
de Letras. Tomou e está tomando, firme, seguro, solene,
numa festa bonita, aconchegante, harmoniosa, onde suas duas
filhas, Marta e Rachel foram maravilhosas como artistas e como
filhas, e sua mulher, Ceci, em radiante e serena alegria, participou
conscientemente da justa homenagem ao marido. Os amigos, que
são muitos por sinal, também lá estavam,
para o aplauso e para o abraço. O mais intelectual de
todos, o Haroldo Lívio, comedido sempre, parece que achava
o Ulhoa no caminho certo. Bom e agradável é o
viver unido e em união.
.........Ulhoa tem sido um estudioso
durante toda a sua vida, nem tão curta, nem tão
longa, pois nascido em 1925. Eu diria um moderado devorador
de livros, da literatura à filosofia, da técnica
à arte pura. Um leitor e um ledor de várias horas
por dia, na cidade ou na fazenda, daqueles de livro de cabeceira
e de livro de bolso. Mais ainda, daqueles de leitura direta
nos livros de Natureza, pois fazendeiro, é mais filósofo
que agricultor e pecuarista. Em tudo há de tirar uma
lição de vida, um lado poético, um encantamento
existencial, um bem-bom de viver.
.........Aluno dos antigos missionários
do Sagrado Coração de Jesus, em São Paulo,
Ulhoa cursou seis anos intensos de humanidades, estudando oito
horas por dia, sem direito a fé-rias por mais de quinze
dias em cada período. Sabe tudo ou quase tudo de história
grega e romana e ainda não passa vergonha em investidas
tradutórias no alemão, no francês, no inglês,
assim como no latim e no idioma de Xenofonte. Amante da apologética
é também cosmologia e não despreza o desenho
e todos os ramos das ciências naturais. Já leu
Vergílio, Homero, Cícero, César e outros
quejandos, no original. Leu ou ainda lê? Modestamente,
não faz compromisso nem prega tão altas virtudes
para os dias hoje.
.........Ulhoa, que também
foi estudante de engenharia em Juiz de Fora e em Ouro Preto,
quase chegou à diplomacia através de concurso
no Itamarati, onde só não foi aprovado por perseguição
de doença em final de concurso. Não se queixa
de tantas voltas e reviravoltas, não se culpa por tantas
indecisões, porque se diz apaixonado mesmo é pela
agronomia, ciência em que não é formado,
mas é doutor no dia-a-dia, amando-amante, vidrado, de
beiço preso por tudo que é do campo, uma espécie
de homo bucolicus. Talvez tudo isso tenha sido bom, porque,
casando-se com Ceci Tupinambá, em 1952, vive e convive
em Montes Claros desde então, a trabalhar e filosofar,
bom para ele e bom para nós todos, os seus amigos.
.........Cronista deste consciente
JMC, defensor principalmente da escologia, educado gladiador
das boas causas, Ulhoa mereceu sempre o nosso respeito e admiração.
Diplomata, ele tem um jeito especial de tratar a verdade, ferindo
macio. Agora acadêmico, nada vai mudar, porque nesta altura
da vida, é homem definido, de plano traçado. E
nem podia mudar, porque neste Jornal , feliz ou infelizmente,
ninguém muda. Mudam os tempos, mas o JMC é sempre
o mesmo.
KARLA
CELENE CAMPOS
.........É
importante começar por Maria Luíza Silveira Teles,
a autora do prefácio de “Hisbiscos Molhados”,
publicado pela Editora Unimontes, a mesma Maria Luíza
que seria, neste momento, a apresentadora do abraço de
boas-vindas à nossa nova companheira na Academia Montesclarense
de Letras. Cel. Geraldo Tito hospitalizado, família toda
em cuidados, nossa colega de letras, de fé, e de amor
à vida, aqui não poderia estar, e foi logo me
pedindo para substituí-la nesta tão agradável
e bela missão. Triste pela ausência física,
saudoso pela distância, muito menos poeticamente analista
do que luminosa Maria Luíza, sinto-me honrado e feliz
porque sei do seu magnífico encantamento pela poesia
e pelo charme de Karla Celene Campos.
.........Vejo-me, assim, como um
acendedor de madrugadas, um libertador de belezas, um otimizador
de primaveras, a um tempo só cronista e poeta, lúcido
e em êxtase, muito espiritualmente acordado para dizer
à distinta intelectualidade de Montes Claros e do Brejo
que esta é uma hora marcante de dourada e acadêmica
alegria. E que bom para mim, porque assim desempenho um papel
de introdutor e de testemunha num dos mais destacados momentos
desta Instituição, ato de muito agradecer a Deus,
tanto de minha parte como também de Maria Luíza,
assim como da parte da presidente Yvonne Silveira, madrinha
acadêmica de Karla, esta Karla que, desde a infância,
sabe desnudar e vestir cores e sons, prismas e músicas,
ritmos e tempos, mundos de visões e sonhos, tudo nem
sempre permitidos à normalidade de humanos mortais. Karla
antevê e vê deslumbrantes rasgos de vidas, panoramas
lúdicos só possíveis a quem, de cima dos
horizontes poéticos, vislumbra matizes e sabe muito de
ventos e brisas.
.........Missionária, predestinada
e mágica, é arquiteta e operária de mais
do que dizem dicionários e textos. Graduada em Letras
pela Unimontes, jornalista pela UNI-BH, pós-graduada
em Língua e Literaturas Brasileira e Espanhola pela PUC-Minas,
cursos em Salamanca, mestra de muitos magistérios, poeta
e cronista vencedora de dezenas de concursos, mereceu, com todo
louvor, o destaque 2004 do Salão Nacional Psiu Poético
e merece honestamente esta noite de posse acadêmica. No
dizer de Maria Luíza, que também viveu infância
e adolescência no Brejo das Almas, Karla - quem sabe pelos
ares brejeiros tocados por tempestades de inspiração
- edifica poemas desde que aprendeu a escrever.
.........Inteligente, profética,
conspiradora de belezas, é e tem a majestade do imprevisível
na tessitura moderna do mundo da comunicação e
da expressão linguística. Menina sempre, tem a
simplicidade vocabular dos que entendem das coisas. Sabe, como
mestra, registrar costumes, repintar entusiasmos, dignificar
gestos e jeitos, musicalizar todas as energias que a Criação
Divina colocou no mineiríssimo gosto de nossa gente.
Karla é uma geminiana mais do que versátil e exerce
suas atividades sempre com muito prazer. Faz várias coisas
ao mesmo tempo, principalmente quando estas coincidem com a
sua filosofia e cultura. Insaciável para saber, de tudo
saber, tem na fala e na leitura constantes perguntas. Fascinante
no dom da palavra, sua conversa é ágil e estimulante,
tanta eloquência que deixa a impressão de domínio
completo em muitos campos do conhecimento.
.........Intelectual sempre, acomodada
nunca! Importantíssimo – palavras que tiro da sua
boca - que Karla tenha tirado da gaveta as páginas que
lá envelheciam e ali trancado a própria modéstia,
para nada impedir a publicação dos seus livros.
Sabe que a vida tem prosseguimentos e que, para ser interessante,
nem precisa de históricos acontecimentos, grandes glórias
ou tragédias grandes. Basta ser como é, basta
ser como este aqui e este agora, aura pura de amizades e considerações.
Mesmo passando depressa demais, a vida é sempre ótima,
ponta de partida e ponto de chegada. Melhor ainda quando em
cada manhã um poema novo, cada hora como fruta madura
ao alcance das mãos. Termino com versos lindos de Karla,
sentimentos de amor à vida: Orquestra de insetos do mato.
Sou o cio! Agora sou caminho, chegadas e partidas. Sou estrela.
Sou abismos, precipícios, sou meio, sou inteira. Sou
metade, sou avesso, sou tarde e amanheço.
Konstantin
Christoff
.........Foi
em 1974 que, numa das conversas com Konstantin, surgiu a ideia
de uma feira de arte em Montes Claros. Feira ou exposição
ao ar livre, numa praça, em dia de sol, todos os artistas
juntos, arte e artesanato. Uma associação organizada,
mas sem estatuto, sem presidente, sem secretário, sem
tesoureiro, sem diretoria. Todos iguais, um ao lado do outro,
sem escolha de lugares. Claro que com disciplina, mas a disciplina
da amizade, do companheirismo, da consideração,
ninguém mandando em ninguém. O que mais Konstantin
pediu foi que nunca pensássemos em registro. Tinha que
ser uma sociedade livre, para que os artistas pudessem entrar
e sair sem pedir licença. Quer expor? Apareça
no local e no horário, e tudo bem. Para que inscrição?
Um único cargo, nada mais do que um, apenas o coordenador,
porque pelo menos para dar informações, precisava
de alguém. Discutidos os nomes, acabei sendo este alguém.
Mas sem votação. Ele indicou-me.
.........Não é a
feira de arte a lembrança mais antiga que tenho de Konstantin,
pois amigo ele foi sempre desde os meus tempos de estudante
no Instituto Norte Mineiro, estudantes passando na frente da
casa dele, na Rua D. João Pimenta, e ele dando conselhos,
falando como irmão, uma consideração muito
carinhosa com os jovens. Lembro-me dele fazendo ilustrações
para revistas de Montes Claros e de Belo Horizonte, lá
de vez em quando colaborando com edições comemorativas
de alguma coisa pelos jornais da cidade. Lembro-me dele médico
sério e famoso na Santa Casa, cirurgião do maior
respeito. Lembro-me muito da muita admiração que
as moças casadoiras tinham por ele, um rapagão
louro, de cabelos compridos sem ser demais, barba européia
ariana, olhos claros, perfil de um possível marinheiro
viking, financeiramente já bem posto na vida, tipo de
genro que toda futura sogra desejaria para a sua filha.
.........A vida continua e Konstantin
Christoff também continua na história de Montes
Claros. Sempre admirado, sempre amado, um ícone das nossas
artes maiores, pintura, escultura, desenho, a cada dia mais
competente, a cada temporada com mais estudos teóricos,
sabedor de tudo, estimulando jovens, criticando velhos, sugerindo
sempre. Uma enciclopédia das artes e dos seus valores.
Como era gostoso estar vendo ao mesmo tempo Konstantin e Godofredo
Guedes, no estúdio de Godô, na Rua Rui Barbosa.
Um completava o outro. Godofredo, um clássico, põe
todo academicismo que ainda é pouco, escolha rigorosa
de cores, pintura no mesmo movimento da escrita, da esquerda
para a direita, de cima para baixo, se hoje como uma moderna
impressora colorida de computador. Godô nunca abria mão
dos detalhes, mínimos que fosse. Konstantin, não,
um revolucionário, um iconoclasta, nada de detalhismo,
nada de cores obedientes, traço rápido, um quase
simplismo brincalhão, às vezes até puxado
para a caricatura. Para Godofredo, Konstantin era um louco genial,
um anarquista. Mas quanto o admirava!
.........O tempo passa e sempre
Konstantin é um vencedor. Alguém mais do que um
mestre. Uma assinatura sua é capaz de fazer uma folha
de cartolina, uma tela vazia serem consideradas obras de arte.
Um mágico fenomenal. Ontem e hoje bem aceito. Com exposições
nas cidades maiores deste e de outros países, tornou-se
um bem-visto pela imprensa especializada. Nosso orgulho!
.........Agora,
que você se despede de uma multidão de amigos,
uma quase infinitude de admiradores, receba o meu abraço,
de amigo e de irmão, Konstantin Christoff! Inesquecível
Konsta.
KONSTANTIN
E SAMUEL
.........Leio o bonito e completo
texto do meu amigo e irmão Samuel Figueira sobre o nosso
amigo Konstantin Christoff, que acabou nos deixando pela força
dos 88 anos de vida, e me lembro perfeitamente da primeira exposição
de pintura do
Samuca, no prédio da Rua Justino Câmara com Padre
Teixeira, e da apresentação que fiz, com palavras
que soam até hoje na minha consciência, como se
aquele julgamento fosse eterno. Afinal, era a história
de um menino genial, que, adulto, se tornava mais genial ainda.
Abaixo, um pouco do que escrevi sobre o artista, a sua vida
e a sua arte:
.........Um dia o garoto toma coragem,
veste a sua melhor roupinha, põe na cara o melhor dos
sorrisos, e corre pressuroso em busca do elogio e do incentivo
do já famoso futuro colega Konstantin Christoff. Leva
o mais trabalhado dos quadros, aquele mais acadêmico,
mais certinho, de pinceladas bem cuidadosas. Pede a opinião
e baixa a vista, modesto, temendo, antecipadamente, as palavras
de louvor. Mas tudo sai ao contrário, Konstantin, jovem
e fogoso, não sabe mascarar a verdade. Não gostando,
diz sinceramente ao menino que não gostou. Faz mais:
mandou-o ir embora, esquecer o entusiasmo, jogar fora os pincéis
e as tintas e tentar fazer outra
coisa mais condizente com a sua vocação, que,
de natural, pelo que via, não seria a de pintor. O menino
revolta-se, fica com o espírito em brasa, assustado,
coça a cabeça e, em princípio, resolve
aceitar o conselho, a sugestão por mais terrível
que ela seja. Chateado, chateadíssimo, sai e volta para
casa.
.........Triste
e meditativo, raciocina melhor e conclui que está diante
de um grande desafio, o que até pode ter sido o desejo
de Konstantin. Analisa o passado, entrevê o futuro, e
toma uma decisão: nem Konstantin nem ninguém pode
ou vai sufocar o seu destino, sua vontade de ser artista. Se
com aquelas palavras Konstantin estava mesmo é querendo
despertá-lo, desafiá-lo, provocá-lo, ele
iria ver, iria conhecer a sua reação de menino-homem,
um grito de luta em busca de novo mérito. E quem sabe,
até de elogios!
.........O que fez então
o menino? Voltou a sua energia em direção ao próprio
Konstantin, crítico ou conselheiro, produzindo, de súbito,
a sua primeira e revolucionária composição
moderna, uma mescla de variações geométricas
e instrumentais, em cores robustas e enérgicas, pinceladas
marcantes. Para compor o rosto, desenhou uma chave inglesa,
representando todo o conjunto facial; para traduzir o cachimbo,
enfiou-lhe um machado bem tosco na boca. Resultado: uma figura
chocante, mas de grande efeito. O crítico Konstantin
gostou. Gostou tanto, que o aconselhou agora a buscar de novo,
e com muito amor, os velhos pincéis baratos. E que o
garoto partisse para a realização de novas e muitas
tentativas. Procurasse ser menos Godofredo e muito mais Samuel.
.........Data daí a nova
fase da vida do artista Samuel. Pouca produção,
muito cuidado, mais procura de melhor qualidade. Ideias sobre
ideias. Formas sobre formas, transparências e coloridos
novos. Entusiasmo comedido, decidida concentração,
firmeza no ideal. Sem favor nenhum, pode-se considerar, em face
do tempo, que Samuel Figueira, também meu mestre e crítico,
é e será sempre um excepcional desenhista e pintor,
artista de primeiríssima linha. Graças à
inteligência, força de vontade e talento, dos melhores
da história de Montes Claros. Sempre ele agradeceu isso
ao amigo e colega Konstantin Christoff. Eu também!
LAÉRCIO
VITALINO PIMENTA
.........Tem
sido Lazinho um feliz montes-clarense, com vinte e cinco anos
de festas, bom ambiente, gente bonita em volta, uma eterna e
individual agência de notícias dirigida para o
lado construtivo da vida. Um quarto de século de bom
jornalismo em favor de Montes Claros e de nossa região.
Trabalho descontraído, mas revestido da seriedade que
só O JORNAL DE MONTES CLAROS sabe ensinar. Aluno aplicado,
desde o início, de uma escola de excelentes profissionais.
.........Homem feliz o Lazinho.
Ama Montes Claros como pouca gente sabe amar e pode, no dia-a-dia,
bater-se em favor de sua terra, falando linguagem direta, limpa
e concisa, num tom de quem sabe e conhece sobre o ambiente em
que trabalha. Gratificado sentimentalmente, porque tem sido
coordenador de uma geração, dentro e fora da imprensa,
abrindo fronteiras, formulando desafios, programando tarefas,
sempre a orientar os mais novos e menos experientes no ato de
viver em sociedade.
.........Lembro-me do Lazinho,
quase menino, já trabalhando em Coluna Social, na “Gazeta
do Norte”, a estruturar um estilo ameno e agradável,
buscando a melhor forma de divulgar e comentar fatos, sem excesso
de promoção pessoal, sem dourar por demais as
gerações douradas pela beleza ou pelo dinheiro.
Houve sempre nele, em todos esses anos de jornalismo, uma busca
por melhores valores intelectuais e morais, sem preferências
por elitismos falsos ou verdadeiros. Quando um montes-clarense,
aqui ou em qualquer parte, obtém uma vitória justa,
o Lazinho é sempre o primeiro a vibrar de emoção,
sentindo-se feliz pela felicidade de Montes Claros. A cidade
sempre em primeiro lugar!
.........Lembro-me do Lazinho,
quase menino, chegando ao JMC, ainda novos o jornal e ele, para
ocupar a coluna da segunda página, vaga pela ausência
de um saudoso colega, o A.R. Peixoto, o famoso Tu Peixoto, desportista
e amigo, quase em despedidas da vida. Peixoto, muito querido,
tinha de ser substituído por quem gozasse de admiração
e prestígio. Além disso, o JMC, pioneiro na modernização
da imprensa, precisava ampliar o sistema de comunicação
social, não mais apenas com alegria festiva, mas com
toda uma gama de notícias formadoras de um momento cultural
e histórico.
.........Assim, veio o Lazinho,
nesta convivência amiga e fraterna com os que representam
a alma da cidade, com a gente que trabalha e diverte, que estuda
e produz o brilho da legítima sociedade, uma sociedade
aberta para o progresso legítimo. Assim, ele chegou ao
JMC para ficar – realista e sonhador – fazendo muito
mais para os outros que para si mesmo, um belo desempenho do
verdadeiro homem de imprensa. Ao completar vinte e cinco anos
de trabalho por Montes Claros – como diria Hermes de Paula,
por sua história, sua gente e seus costumes não
sei bem a quem dar os parabéns se ao O JORNAL DE MONTES
CLAROS, que o tem como patrimônio, à cidade, que
o quer como filho amado, ou a ele mesmo, o maior merecedor de
nossa muita admiração. Um grande agraço,
Laércio Vitalino Pimenta, Amigo Lazinho!
LISBELA
ALCÂNTARA
.........Haroldo
Lívio pergunta-me se vou escrever sobre D. Lisbela Alcântara.
Mais do que o desejo de saber, o que Haroldo faz é uma
sugestão, tal o seu modo de dizer, o carinho todo especial,
o respeito para com o nome de nossa tão saudosa amiga.
Não tenho dúvidas na resposta, não demoro,
não penso, nenhuma hesitação. Digo-lhe
que não só vou escrever, como quero, preciso e
devo escrever.
.........Tenho de fazê-lo
logo, um imperativo pessoal, inadiável, algo gostosamente
compulsório, de nenhuma tristeza, de nenhuma dor, mas
ao contrário até de muita alegria. Vê-la
passar como passou, tão lúcida, tão bondosa,
tão cheia de vida, lindamente participante de tudo, é
para mim um momento de rara felicidade. D. Lisbela deixa-nos
a todos bem mais ricos de beleza existencial, com um envolvente
perfume de fé e de amor. A saudade que temos dela é
uma saudade doce, encantadora, suave como a brisa de beira-mar
à madrugada.
.........D. Yvone Silveira escreveu,
no JORNAL DE DOMINGO uma crônica antológica sobre
D. Lisbela Alcântara: coisa de almas gêmeas, de
infinita ternura, tudo na medida certa. Lazinho, um dos bons
amigos de D. Lisbela, foi justíssimo na apreciação
que fez sobre ela, na sua coluna, mostrando, inclusive, o incentivo
que sempre recebeu por parte da homenageada. Outros escreverão
ainda, porque há muito que falar de D. Lisbela. Uma vida
tão rica permitirá muitas lições,
de aprimoramento pessoal, demonstrações de técnica
de viver bem, de como muito amar e muito perdoar. De perdoar?
.........Não
sei se D. Lisbela precisava perdoar, ela que nunca se ofendia
e tinha sempre uma palavra de bondade para com as fraquezas
humanas. Ela respeitava por demais as incompreensões
e nunca deixava de amparar os incompreendidos. Era uma beleza
de mulher!
.........D. Lisbela acreditava
na vida como uma longa viagem educativa, uma tarefa a cumprir
com desvelo e coragem, uma oportunidade de bem servir, um remontar
do ouro da felicidade própria e alheia.
.........Fez luzir sua própria
estrela e fez despertar muitas luzes com o amparo de sua inteligência
e do seu coração. Acentuou sempre a alegria, ensinou
a verdade, deu assistência e ministrou calma e paciência,
ponderação e carinho. Imprimiu visões novas
através de conselhos certos e saudáveis, endereçou
bênçãos, brindou muita gente com suas lembranças,
recordou lições de aprimoramento, ofereceu aprovação
e estímulo, estendeu simpatia e fraternidade, espalhou
compreensão e esperança. Que encanto de pessoa!
.........Assim, espiritualmente
bela de inteligência e sentimento, partiu minha amiga,
nossa amiga D. Lisbela. Não fico triste com sua partida,
fico com saudade. Meu comportamento é mais de estar muito
e muito agradecido a Deus por ter estado próximo à
sua amizade e por ter compartilhado de suas gratificantes lições
de sabedoria e de vida. D. Lisbela não foi, é
um adorável momento da criação divina!
LUIZ
DE PAULA FERREIRA
.........Luiz
de Paula Ferreira é um milagre. Tudo na sua vida deu
certo. Tudo: sonhos e realidade, jeito de ser e de viver. Comportamentos,
atitudes, hábitos, numa receita sábia, e manhosamente
aviada desde os velhos tempos de Roma: “Não basta
ser, é preciso parecer”. Luiz – em todos
os decênios que marcaram a idade do menino, do jovem e
do adulto – foi e pareceu inteligente, intensa e fervorosamente,
quase por um dever de fé e destinação.
Querendo - quem sabe - até sem querer, jamais pôde
fugir das luzes de uma generalizada admiração
de próximos e distantes. Conservador e revolucionário,
sempre teve como medida o comedimento, coisas de antigo PSD,
que não fazia reunião sem antes de tudo estar
resolvido. Luiz sabe ver e antever, vestido e revestido de inigualável
poder de avaliação. Sabido, tranquilo e limpinho
como um gato, no dizer do nosso saudoso João Valle Maurício.
.........Neste livro – conjunto
fantástico de retalhos intensamente coloridos da vida
interiorana brasileira do Século XX – Luiz de Paula
é narrador e personagem, iluminador e fotógrafo,
ao mesmo tempo retratista e retratado em cenas que ele próprio
sempre se inseriu. Dono de poder material e imaterial, agora
produz um texto mais do que vivo - do seu e do nosso agrado
– encarnando e reencarnando uma tradição
oral de esperteza, que muito será discutida no futuro,
quando as máquinas e os chips ocuparem com primazia a
diretiva humana. Os relatos, as crônicas, a prosa poética,
até os contos que ele - por segurança e sabedoria,
diz de ficção - repre-sentam o que a Literatura
pode ter de melhor na fixação de imagens e vivências,
conteúdo importante porque só possível
aos que o viveram com entusiasmo.
.........Li, reli e tresli as três
divisões – “NA VENDA DO MEU PAI”, “SANFONA
DE OITO BAIXOS” e “ALGUMAS HISTÓRIAS”.
E quando lia e revivia cenas da vida de menino do interior,
testemunha real e virtual de tudo que acontece, pensei calculadamente
em registrar neste Prefácio dezenas ou centenas de nomes
de pessoas e de lugares, antecipando para o leitor o cheiro
e o gosto de todas as acontecências, assim como as cores
e a sensação táctil de cada paisagem.
.........Um pouco mais novo que
Luiz, tendo vivido pelo lado de dentro e de fora de uma casa
comercial - ouvinte e visualizador atento - bem sei do quanto
o relar o umbigo no balcão valeu para nós. Ali
nada passava despercebido no universo das pessoas e das coisas,
seja ouvindo uma sanfona de oito baixos, seja engraxando sapatos
ou controlando os movimentos sinuosos dos bêbedos. Era
a vida imitando a vida, para criar memórias que só
o livro pode fixar. Com este livro, Luiz eterniza Maria Velha,
Maria Suruca, Mariazinha Palpitosa, o lambe-lambe Vitorino,
Chico Boa Palavra, João Velho, João Raposa, Gregório
Barba à-toa, além – é claro –
um amplo universo de situações que marcam a malícia
e a esperteza do dia-a-dia de Várzea da Palma, de Montes
Claros e deste pedacinho gostoso do sertão mineiro. Resumindo,
um musicar e um cantarolar de lembranças que só
um narrador bom como o Luiz consegue pôr no papel.
.........Plurissignificativa, a
Literatura faz com que certas personagens e situações
ofereçam liberdade na interpretação dos
textos, poucas vezes os mostrando imutáveis ou ensinando
uma aceitação pura e simples. As palavras e o
encadeamento de palavras sugerem visões que nunca pertencem
somente àqueles que as escrevem. Uma vez materializado,
o texto pertence mais ao leitor, à sua forma de pensar
e agir, influenciado pela experiência linguística
e pela cultura de cada um. Assim, “NA VENDA DE MEU PAI”
vem para marcar época, com lembranças e vontades
mais do que gratas para quem as viveu e para quem gostaria de
as ter vivido. Aqui, não há fotos em preto e branco,
não há figuras esmaecidas ou distantes: tudo é
colorido, cada movimento tem uma surpresa como se estivesse
acontecendo e sendo vivido agora. Luiz é um cinegrafista
sortudo – pode-se dizer com efeito Kirlian – que
além de gravar o visível e tangível, consegue
divisar nuances que só aos privilegiados Deus permite
contemplar. Bom para ele, melhor pra nós!
.........Purista corajoso do idioma,
Luiz de Paula Ferreira conduz o leitor à excelência
da fala brasileira, com todo o condão de quem sabe fazer
mágica com a inteligência e o gosto do verdadeiro
contador de causos. Alegre, otimista, sinceramente claro nos
conceitos, oferece-nos o que há de melhor na vida sua
e das outras personagens. Vale realmente ser lido. No meu ponto
vista – e aqui não vale a amizade que nos une –
“NA VENDA DE MEU PAI” é o melhor de todos
os registros regionais que a argúcia literária
impõe a um leitor interessado. No que toca à missão
do homem no viver e conviver, no amar e no sonhar, Luiz é
um cronista indubitavelmente universal.
.........Experimente-o como quem
sabe sugar o sumo doce de uma jabuticaba bem madurinha, o andar
de bicicleta em tempo de Primavera e o ver e ouvir o sapateado
de um cantador de coco.
.........Em MOMENTOS, de Luiz de
Paula, é amor e flor da natureza. Em Várzea da
Palma, nas beiras do Guaicuí, em Montes Claros, ou em
qualquer parte do mundo. Um livro realmente bom, mesmo que em
leitura ligeira. Prosa e poesia de verdade, na seca ou nas chuvas.
Tem quer ser, porque o autor foi batizado duas vezes, uma pelo
ferreiro Bertolino, outra pelo padre da desobriga, e, por isso,
virou poeta. MOMENTOS é livro desafio, trabalho em espanto
de vida, aceitação de mistério. Suas páginas
foram escritas em áureo e doce dealbar de músicas
e de sonhos. Tudo plural: douradas iluminuras nas capas e, no
interior, coloridos entre o branco e o preto, tudo bem serenado
em universo de ideias. Um luxo!
.........Como disse o próprio
autor, textos e pretextos de MOMENTOS nasceram como brotos das
chuvas de São Miguel, multifacetada confissão
entre o sacro e profano. Todo broto de vegetação
foi visto em lupa de saudades. Visíveis encanto e filosofia,
memória poética e pinceladas de vida. Tudo pintura
com acenos de ser em tudo fiel às origens. Escrivão
de sonhos, menestrel de doces lembranças, Luiz é
compositor de ritmos, sem direito a esquecimento. Que tenham
registros os currais de gado, os caminhos entre veredas, os
bois de cem oitavas, a arte de navegar e fazer telhas. Imortalizem-se
os bandeirantes, os vaqueiros, as partes da cozinheira ladina...
Imortalizem-se a grandeza das pequenas coisas e os mínimos
pedaços de espaço-tempo.
.........Que bom e agradável
foi ler MOMENTOS! Que bom foi conhecer Dona Biló, assadeira
de roscas, Neco Meireles, oficial abridor de cisternas, a parteira
Siá Clara! Todo respeito para a professora Júlia,
sessentona, de régua e taboada, todo respeito para a
rezadeira Regina, sacerdotisa de benzeduras para cura de um
tudo, palavras e gestos seus como que tirando doença
com a mão. Carinhoso desfilar de antigas profissões,
com toda a certeza de que o tempo não atravessa duas
vezes o mesmo rio.
.........MOMENTOS é o registro
fiel de um maravilhoso tempo de pura ternura, trato vivencial
de gente parceira de Deus. Só podia ser escrito por Luiz
de Paula Ferreira, autor de Montes Claros Vovó Centenária,
garimpador do ouro mais puro. Declaro-me feliz, muito feliz,
e sinto-me identificado com o Vale do São Francisco,
por estar manuscritando estas mal traçadas linhas numa
mesinha da Estação das Docas, Belém do
Pará, de onde contemplo as infindáveis águas
da Amazônia e sinto uma imensa saudade das planícies
e dos claros montes do Norte de Minas.
MANOEL
QUATROCENTOS
.........Estou no décimo-quarto
andar do edifício do Banco do Brasil, no centro de Fortaleza.
Aqui dentro a temperatura é de 18 graus, cortinas fechadas
em quase todas as janelas, menos em uma que dá visão
direta para o mar. Lá fora o calor intenso, um sol que
daria gosto se estivesse na praia. O céu de brigadeiro,
de um azul que indica não haver igual em nenhuma parte
do mundo. Fazendo moldura, abaixo da linha do horizonte, o Oceano
Atlântico que mais parece de clorofila que de água
salgada: o verde é intenso, quase um verde de esmeralda
ou de turquesa, daquele verde tão lindo como a cor dos
olhos de uma bonita mulher de olhos verdes. É o mar de
Iracema, a virgem criada por José de Alencar, de lábios
de mel e cabelos mais negros do que a asa de graúna e
a pele mais macia que a pe1úcia de um pêssego maduro
em manhã de chuva. É aqui a capital do Estado
do Ceará.
.........É aqui nesta festa
urbana, onde trabalho e vivo cada minuto, que recebo um telefonema
de Olímpia, com notícias de casa, de Montes Claros
e da região baiana de Minas. Bebo com a audição
cada detalhe, cada ângulo de comentários. Misturo
tudo com uma profunda saudade dela e das coisas com sabor mineiro.
Quem nasceu? Quem vive ainda? Morreu alguém conhecido?
Ela me fala das mortes de dois prefeitos, das passagens súbitas
de Caetana Meira, de Afrânio Tempone, da viagem eterna
de Manoel Quatrocentos. Sente
profundamente a ausência da Caetana, tão nossa
amiga, quase nossa vizinha, companheira da Casa da Amizade,
do Elos Clube, do Rotary. Ninguém nasceu para viver definitivamente.
Haverá sempre um último dia. Mas acostumar-se
com a ausência física de pessoas amigas, mesmo
que não estejam sempre próximas de nós,
é sempre uma angústia. Não existe alegria
na morte. Mesmo de longe, sinto a falta dos bons amigos. Penso
em cada um. Vejo méritos em todos. Da alegria de viver
de Tempone, por exemplo. Há poucos dias, eu tinha convencido
Caetana a ir com Meira a uma convenção do Rotary
em Caxambu. Fiz propaganda de maravilhas do encontro rotário.
Ela aceitou.
.........Do verde do mar, da imensidão
do oceano, da fantasia do céu do Ceará, volto-me
inteiramente para a ideia desta crônica, focalizando na
memória as muitas vezes que vi e admirei a figura nostálgica
e cavalheiresca de Manoel Quatrocentos, um misto romântico
de Dom Quixote e de Carlitos, último dos distantes conquistadores
da beleza e do charme de mulheres famosas do velho cinema hollywoodiano.
Sempre o verde do mar cearense o foco principal da lembrança
do velho Manoel? De tudo que ele tinha na vida – e quase
não tinha nada além do machado de cortar lenha
– o de que mais se orgulhava era do verde dos olhos que
herdara da mãe. Pode ser que seja isso, porque nos olhos
do Manoel Quatrocentos estavam quase todas as suas maiores qualidades:
a gentileza, a alegria, o humanismo, o desejo de conquista,
a admiração por Montes Claros, a cerimônia
com as mulheres, a ironia com os orgulhosos, a malícia
com os velhos, a simpatia com os jovens. Grande Manoel!
.........Lembro-me perfeitamente
dos meus primeiros tempos de estudante, lá pelos idos
de 1951, quando íamos ouvir, aplaudir e anarquizar o
jovem Manoel Quatrocentos, o “maior” cantor de boleros
da Rádio Sociedade nos programas de auditório,
no Cine Montes Claros e Cine Ipiranga. Chupando cana, comendo
pipocas, fazendo bolinhas de papel de caramelos para jogar no
animador e nos artistas, que grande alegria era cada manhã
de domingo! Manoel Quatrocentos, mais romântico que o
eterno romântico Adauto Freire, meu amigo, fazia poses
de Gregório Barros, lançava beijos para as belezas
invisíveis de Ingrid Bergman, Viven Leigh e Lauren Bacall.
Era como se ele estivesse vivendo cenas de Casablanca e de E
o Vento Levou, só possíveis de serem descritas
pelo companheiro Ângelo Soares Neto, outro fã incondicional
do Manoel, que a esta hora deve estar também muito triste,
chorando mágoas com Haroldo Lívio. Quantas vezes
pedíamos bis, bis só para sentir as impostações
de voz de quem se acreditava Tyrone Power, Charles Boyer, Errol
Flinn, ou, nas horas de maior coragem, o próprio Charles
Starett ou o Flash Gordon.
.........Lembro-me
também da mania do Manoel Quatrocentos em falar línguas
estrangeiras, no enrolado dialeto dos gringos; S’il Vous
Plait Merci Beaucoup, Yes, Thank You, Buenas Noches, Oh Muchachas,
Take it easy, Shut up, tão comuns aos artistas franceses,
mexicanos ou de Hollywood. Era um tal de falar em footings e
flirts que dava gosto! Lembro-me dos amores de Manoel Quatrocentos
com o que parece ter sido seu único amor materializado
– a Maria Tostão, lá no alto dos Morrinhos,
quem sabe a sua alegria legítima. Perfumado sempre nas
horas de folga, nunca sem gravata, castelhano gravado no sotaque,
Manoel Quatrocentos foi um homem despojado de orgulho nas horas
de trabalho braçal, dono de pouco, mas sempre sagrado
dinheirinho para as próprias necessidades.
.........Do Ceará, quero
mandar meu último aplauso a Manoel Quatrocentos, o maior
candidato ao noivado com as mais lindas mulheres do mundo. Que
a manhã de sábado, 23 de abril de 1988, tenha
sido para ele – Manoel Nunes da Silva – um fantástico
momento de glória, uma contemplação maravilhosa
do infinito azul do olhar de todas as belezas femininas da história.
Ele muito fez por merecer.
MARIA
LUIZA SILVEIRA TELES
.........Foi uma linda festa a
de lançamento do livro “As 7 Pontes” de minha
amiga, companheira de Academia e de Faculdade, irmã de
todo o coração, Maria Luíza Silveira Teles.
Salão cheio no Centro Cultural. Rostos de muita simpatia
para com a autora, aquela sensação de grata amizade
por um passado e presente de bons entendimentos, fruto que só
o amor pode realmente construir. Coisa interessante: Maria Luíza
tem muitos amigos, sincera gente que mora na sua alegria e no
seu viver, tudo muito lindo de se apreciar. É bom que
ainda exista gratidão neste mundo, pois a autora de “As
7 Pontes” só tem tido na vida o trabalho sincero
em favor de todos que participam de sua existência como
professora, escritora, poeta, psicóloga, intelectual
e espiritualista de tempo integral, sempre indicada ao extremo
tanto na alegria como na tristeza de cada um ou de todos.
.........Estou falando de Maria
Luíza, porque falar dela é o mesmo que falar de
“As 7 Pontes”, já que seu romance, excelente
do princípio ao fim, é reflexo perfeito do seu
modo de ser, da sua fé, do seu racionalismo, de sua visão
particularíssima, das fraquezas e virtudes do homem e
da mulher, juntos ou separados. Realmente, “As 7 Pontes”
é um livro de sabor universalista, repertório
de experiências vividas e ouvidas, sentidas e presenciadas,
já que Maria Luíza, como confidente de muitos,
sempre atenta a humanas idiossincrasias, nunca perde ou esquece
um detalhe existencial, um desenho perfeito ou simples caricatura
a “vol d’oiseau” Pintora de caracteres, observadora
de feições, afeita aos mais simples movimentos
da alma jovem ou adulta, nova ou envelhecida, Maria Luíza
sabe tecer a trama interessante e policromia de que o leitor
não pode se afastar enquanto não obtém
a catarse esperada.
.........Luiz de Paula no prefácio
muito feliz, afirmou ter lido “de um só fôlego
todo o romance, amarrando-se ao destino vivencial de cada uma
das personagens, que se buscam e se atropelam numa ficção-realidade”,
num cadinho de sonhos, contradições, amores e
desenganos. Diz ele que “todos nós nos reencontramos
em episódios diversos da história, pois o tempo
jovem dos homens e das mulheres se escreve, de certo modo, com
os mesmos arranjos e iguais trajetos, sobretudo no plano das
idealizações”. Livro de personagens modernas,
afeitas as peripécias da vida atual, com o mundo centrado
em Montes Claros, Francisco Sá ou na Amazônia,
oferece, num balanço sincero, o peso devido às
influências do espírito e da matéria. Selva
ou cidade, civilização primitiva ou a caminho
de evoluir, a pessoa humana será sempre um laboratório
de reações previsíveis para quem conheça
a vida e dela participa com amor.
.........Zoraide Vasconcelos Teixeira,
minha amiga belo-horizontina de Brejo das Almas, alma sensível
como Maria Luíza disse também uma verdade sobre
“As 7 Pontes”, que nenhum leitor poderá desfazer:
“o livro restituiu-nos um bem precioso que é a
fé na vida, a possibilidade de sonhar e acreditar nos
próprios sonhos”, um feito de podermos idealizar
um mundo novo, incessante busca de perfeição.
“É filosofia, é religião, é
purificação, e vida transbordando em plenitude.
É Maria Maria Luíza com toda sua feminilidade,
com toda sua espiritualidade. Há nele uma infatigável
confiança nos princípios básicos sobre
os quais deveriam se alicerçar o destino dos homens”.
Não se pode arredar a ideia de que “As 7 Pontes”,
de Maria Luíza tenha nascido em parte na sua infância
de Francisco Sá, menina-moça que viveu ao lado
de Zoraide, duas intelectuais desde os tempos de criança.
É por isso que Zoraide não só gostou do
livro: amou-o como se ama a um filho ou a um irmão muito
querido.
Maria Luíza e Zoraide são realmente boas irmãs,
assim como eu também me sinto com relação
às duas, sempre muito perto do coração.
.........Voltarei ao assunto, minha
senhora, o que espero não demorar. Afinal, farei hoje
quase que só aproveitando das ideias alheias, justas
e bonitas, pois partidas de duas grandes inteligências,
Zoraide e Luiz de Paula. Concorde com eles, saberei também,
como disse o poeta, ouvir estrelas, e fazer as minhas confissões
de ouro que pude minerar.
MARIA
OLIVEIRA
.........Desde
que Haroldo Lívio publicou a crônica LIRA DOS OITENT’ANOS,
em setembro de 1986, que coloquei também na minha intenção
o nome de Comadre Maria Oliveira para um escrito laudatório
em que pudesse deixar patente e documentada toda a minha amizade
e admiração que sempre tive por ela, desde os
nossos dias de JORNAL DE MONTES CLAROS, em torno de 54 e 55.
Não sei de outra pessoa que tenha trabalhado em jornal
– em todos esses anos que ando pelas redações
– em que eu possa reconhecer mais mérito do que
reconhecia na figura e no jeitão de ser de Maria, sempre
amiga e conselheira, eterno pensamento positivo, astral de cosmonauta
com olhos no céu e pés firmes no chão.
Para falar a verdade, sempre guardei a coluna do Haroldo, com
os elementos nacionais sublinhados em vermelho, de modo a nunca
me faltar os dados mais importantes, já que ele, parente
dela, tinha de conhecê-la mais do que eu, principalmente
nos assuntos de família.
.........De dois meses para cá,
estive sempre com o arcabouço do que seria esta crônica
dentro da minha pasta de trabalho, para, a qualquer hora, fazer
a redação final e mandar para o JMC. Oito semanas,
quase sessenta dias, e nada de dar certo, de materializar a
vontade, o velho desejo de falar de Maria, e outros temas sempre
passando na frente, alguns até a exigir atualidade, que
jornal tem muito dessas coisas. O tema MARIA OLIVEIRA sempre
acabou esperando. Na minha chegada de viagem a São Luis
do Maranhão, passando a limpo todas as novidades, folheando
correspondências, vendo papéis diversos, lendo
os jornais, vi no JMC, primeira página, retrato e notícia
da morte de Maria, aos 82 anos de idade, depois de longa vida
de dever cumprido. E o jornal era do dia seguinte, com tempo
ainda de assistir ao sepultamento, uma derradeira despedida.
O meu espanto foi que, nas últimas
horas, eu havia tentado escrever sobre ela pelo menos quatro
vezes, mas o tempo sempre me traindo em todas as oportunidades.
Esta crônica continuava sempre um projeto, embora permanentemente
presente na consciência, pronta para sair.
.........Como diz o Eclesiastes,
há tempo para tudo, para todo propósito debaixo
do céu, tempo de amar, tempo de nascer e tempo de morrer,
tempo de rir, tempo de chorar, e, enfim chega o tempo da saudade
por Maria Oliveira, amiga e companheira de imprensa, mestra
de boas maneiras, orientadora de vida e de postura diante do
mundo, diplomata da afeição, velhice jovem e arejada,
rara de se ver nas almas quase solitárias como foi ela
nos últimos tempos, em sua amada casa da rua Tiradentes,
pertinho da Praça Coronel Ribeiro.
.........Hoje, lembro-me com profundo
amor das muitas horas que passávamos conversando na sala
de endereçamento e distribuição do JMC,
no vetusto prédio da rua Doutor Santos, salinha de uma
só janela e pouca luz, mas cheia, cheíssima de
entusiasmo pelas notícias e pelas personagens do dia-a-dia,
um laboratório de idealismo em que José Prates,
A.R. Peixoto e eu escrevíamos praticamente tudo que era
publicado. Dona Maria Oliveira fazia a coluna dos aniversários,
onde colocava datas, nomes e profissões, dando mais ênfase,
é claro, às pessoas de quem ela gostava mais.
Cada dia, uma aventura nova, uma eterna tentativa de fazer da
cidade um mundo mais civilizado e mais agradável de se
viver.
.........Maria de Oliveira tinha
a firmeza das mulheres bíblicas, a decisão de
uma heroína, a beleza transcendental de uma verdadeira
mãe, nunca se excedendo em nada, em tudo na medida certa,
doce e harmoniosa, alegre, sorridente, sempre pronta para um
gesto de boa vontade, uma suave admoestação quando
necessária, principalmente diante do arrebatamento de
jovens jornalistas, que, muitas vezes queriam reformar tudo.
.........Quantas
e quantas reportagens sobre a violência política
ou mesmo sobre assuntos de política foram por ela reorientadas,
evitando aflorar velhas feridas ou justificar arbitrariedades
tão comuns naquela época. Maria era sempre uma
palavra de ponderação e entendimento!
.........Correndo, apressados,
ansiosos, Olímpia e eu ainda conseguimos chegar a tempo
para presenciar a entrada de Maria para o seu último
refúgio de descanso na terra dos Montes Claros, terra
para ela mais do que sagrada, santo campo de eternidade.
.........Era uma manhã de
muito sol, clara, vistosa, a brisa balançando as folhas
das árvores e fazendo esvoaçar os cabelos de parentes
e amigos, atmosfera muito mais de respeito do que de tristeza,
coisa assim como um arco-íris de lindo envolvimento emocional.
De jornalistas e velhos companheiros de imprensa, Haroldo Lívio,
Ângelo Soares Neto, Tião Camurça e Zé
Branco. Poucos, mas muito representativos para a amizade maravilhosa
de Maria!
MARINA
LORENZO FERNANDEZ
.........Desculpe-me
estar escrevendo tão tarde, considerando já passados
tantos dias das comemorações dos vinte anos de
Conservatório Lorenzo Fernandez, sem favor nenhum, uma
grande festa de amor. Desculpe-me e também a todos, D.
Marina, a todos que, só, no silêncio, curtimos
a admiração votada e devotada pelo seu trabalho
de tantos anos, de tanto tempo. Não foi por esquecimento,
nem meu, nem de ninguém, pois todos, cada um em particular,
e juntos, formando uma grande corrente, todos nós, gostamos
da Senhora, numa admiração e ternura, que mesmo
para os sentimentais, é bastante incomum. Deixamos de
escrever, mas, não deixamos de nos manifestar, pois coração
não faltou na hora de vibrar, no olhar de longe a alegria
de todos que trabalham e vivem no dia-a-dia de sua Escola. Aliás,
a vibração foi tanta, que naquela noite da Catedral,
da orquestra do Professor Magnani, quase balançaram o
coreto de tanto barulho e de entra-e-sai.
.........É assim, D. Marina,
é assim a vida de trabalho. Estamos juntos e estamos
separados, cada um lutando para o seu lado, que a cidade cresceu
e tem tarefas por todos os cantos, com muitas reuniões
todos os dias, problemas remontando problemas, vidas marcando
vidas em encontros e desencontros, numa luta sem tréguas.
A Senhora mesma faz milagres em conseguir o quase impossível,
vivendo para o mundo de jovens de todas as idades - dos dez
aos sessenta - que buscam diariamente o Conservatório
. E como vive, D. Marina! Com que desprendimento! Feliz, feliz,
sempre confiante, bem humorada, desenvolta e envolvida num suave
manto de juvenil interesse por tudo que respira cultura.
.........É lindo o mundo
com gente assim como a Senhora, D. Marina. E lindo ter amigos,
amigas, colegas, que trabalham ao seu lado, absorvendo em todos
os momentos o seu entusiasmo, o seu amor à arte, o seu
amor como professora, o seu amor com gente que sabe amar de
verdade. E bom, D. Marina, é bom ! O nosso tempo precisa
de afeição, de suavidade, de terna beleza. Sobretudo,
dos valores eternos da arte e da meiguice do bem viver, do aprender
e do ensinar.
.........Muito obrigado, D. Marina,
pelos vinte anos de mudanças de mentalidade desse povo
tão sofrido da cidade dos Montes Claros, desse povo que
sempre foi bom, mas que precisava de uma tessitura de compreensão
que só a arte pode oferecer. Não quero dizer que
não houvesse, aqui, sutilezas de inteligências,
antes da Senhora; não houvesse sensibilidade. Sempre
houve. E ai para garantir, está o nosso folclore, a história,
a literatura, a imprensa, marcos de humanismo e de interesse
pelas coisas do espírito e do coração.
Mas, o que quero afirmar, D. Marina, é que sua suave
teimosia, sua encantada e mágica disposição
de trabalhar e amar mudaram as consciências e, hoje, Montes
Claros é uma cidade muito mais rica, rica de beleza.
.........Obrigado, D. Marina. Os
que vão viver a saúdam e pedem passagem.
MARY
FIGUEIREDO
.........Maria da Consolação,
Mary Figueiredo, Mary Figueiredo Cowen é para mim a moça
mais importante do mundo. Sempre eu disse, desde que conheci
Mary, que ela poderia ser professora de francês na França
e de inglês na Inglaterra. Com a mesma eficiência
que é professora de português-brasileiro no Brasil.
Se Algum dia Mary resolver ensinar japonês no Japão,
resolver, estudar alguns meses e – pimba – falará
o melhor japonês e o melhor chinês! Mary Figueiredo
é fogo! Uma garota inteligente desde que nasceu e de
muito antes do nascimento. Inteligência eterna, audível
e visível, destas que avassalam os séculos, contribuindo
para a melhoria da inteligência dos outros! Inteligência.
Uma pessoa muito feliz e que muito sabe o que quer.
.........Mary é sempre minha
querida professora de francês e de literatura francesa,
minha cara professora para toda sabedoria que existe no mundo
antigo e moderno. Sempre aprendi muito com Mary, assim como
um número incontável de outros alunos seus daqui
do sertão de Montes Claros e de muitas outras partes
do planeta Terra. Mary Figueiredo Cowen é um sucesso
como mestra e como ente humano. Alguém assim um tanto
especial, que só de tempo em tempo pode aparecer na história.
Acho que Mary pode ser diretora da Universidade do Cairo, programadora
da NASA, chefe da Base de Baikonur, presidente da ONU, governadora
de Minas, leitora notável da Universidade de Londres.
Ou pode ser simplesmente uma perita em churrasco na gostosa
mansão de Baby e João Carlos Sobreira. Presidente
do Banco do Brasil acho que Mary pode ser, porque presidir o
Brasil muita gente boa pode estar fazendo. Para Mary isso seria
barbada, fichinha, nem dava para ficar no sério.
.........Hoje que esta Academia
de Letras faz uma homenagem a Mary, numa hora que – mercê
de Deus – devo estar na cidade do Salvador, Bahia de Todos
os Santos, quase em início de tarefa, fico triste em
não poder estar com os seus amigos neste momento de abraçá-la.
Se aqui estivesse, ficaria de longe, olhando, admirado em êxtase,
sua gratificante fase de beleza interior e exterior. Até
parece que o clima de Londres e os tratos do Bob Cowen só
fizeram bem a essa charmosa mulher! Parece também que
até disso a sua inteligência sabe aproveitar e
assumir. Mary é sabida até para se apaixonar.
Sabe que o amor faz bem! Mas como a minha cunhada Laury Cunha
diz que quando a gente quer elogiar uma mulher o bom é
nunca adjetivá-la de inteligente – devendo-se,
por outro lado – dizer que ela apenas é bonita,
eu digo, então, para todo mundo ouvir, saber e concordar:
MARY FIGUEIREDO COWEN é linda, formosa, lindona como
ela só! Uma estrela de sexta grandeza!
.........Se eu fosse o Rei de Roma,
no tempo que Roma mandava, fazia e desfazia, o que eu iria fazer
com MARY era coroá-la rainha da Inglaterra. Ou então
princesa do Brasil! Se ela não aceitasse a minha homenagem,
não tinha nem coré-coré, nomearia, nomeá-la-ia,
à força, episcopisa de Caruaru ou prefeita do
Rio de Janeiro. Não dando certo ainda, faria dela a mais
importante coronela do exército de Katmandu!
MONSENHOR
OSMAR
.........Não
me canso de ter saudades do tempo bom e gostoso das aulas do
Colégio Diocesano, de quando podíamos, todos os
dias, sentir e ouvir a alegria do Monsenhor Osmar Novais de
Lima, a braveza do Padre Agostinho e a terna amizade de Monsenhor
Gustavo. É de fato um momento inesquecível, de
quando cada gesto era uma lição, cada atitude
uma experiência de seres em luta e em paz com a vida.
Os três juntos, ou cada um em particular, eram para nós,
meninos-rapazes, o grau mais alto da sabedoria, a fonte inesgotável
de conhecimento, os degraus por onde alcançar a segurança
do futuro. É claro que, particularmente, um por um tinha
o seu séquito de seguidores, dependendo da esperteza
ou do grau de inteligência de cada aluno, ou mesmo da
maturidade ou falta de juízo, como podíamos encontrar
nos mais sérios como Geraldo Miranda e Nivaldo Neves,
ou nos mais afoitos como Pai da Mata e João Doido. Em
órbita havia gente de todo jeito, tipo Tereziano Dupin,
Renato Pobre, Renato Almeida, Dezinho Dias, Ivan Guedes, Lazinho
Pimenta, Raimundo Santana, José Maravilha, personalidades
marcantes que iam do folclore à poesia, do trabalho sério
à justa compenetração.
.........Cada dia era um novo esquema
de novidades, de surpresas, uma sensação de estarmos
construindo o mundo, preparando-o para a nossa geração
e para todas as outras que poderiam vir depois de nós.
Ninguém fugia da luta, tirar o corpo de banda, em qualquer
tarefa, era um sacrilégio. Matar aulas era pecado capital.
Durante a semana não valia nem cinema nem namoro. A ordem
era estudar! Uma única transgressão era permitida
e só ao Miranda, porque ele havia inovado o sistema,
inventado uma saída, namorando com a professora Lourdes,
inteligentão que era. O Dezinho Dias, já mais
velho um pouco, falava de fazendas, de vez em quando. O Raimundo
Santana era um importante, pois tinha bicicleta e tomava uísque
antes das provas de matemática. Ivan impunha grande respeito:
de vez em quando jantava em restaurante, sábado à
noite depois do grêmio. A maioria, como eu, não
tinha dinheiro nem para picolé ou quebra-queixo, e quando
muito, bebíamos caldo de cana. Cafezinho era luxo!
.........Professor bom mesmo era
o Pedro Santana, vibrante, granfino, dominante nas cadeiras
de História, Ciências e Inglês, um terror
par quem não tivesse as matérias na ponta da língua,
a capacidade de responder, falando ou escrevendo, sem gírias.
Pedro era tão imponente, que não repetia ternos
e gravatas durante um mês, cada dia uma nova cor, hoje
um três-botões, amanhã um jaquetão,
tudo dentro do melhor figurino de Vavá ou Wilson Drumond.
O cabelo, ah! O cabelo era que merecia o maior cuidado! A barba,
de um barbear diário na barbearia de Antônio Guedes,
com massagem facial, na mesma hora em que também estavam
sentados os granfinos Júlio de Melo Franco e Nelson Vianna,
fregueses de manhã cedinho. Errar com Pedro ou com o
Padre Agostinho – outro elegante – era imperdoável.
A nota menor que um bom aluno podia tirar era dez. O nove era
um feito vergonhoso!
.........Havia outros professores
famosos e entre eles o Tabajara, a Terezinha Pimenta, Doutor
Carlyle, a Maria Inês, D. Rosita Aquino e o Belizário,
que falava latim e tinha o cabelo parecido com o de Castro Alves.
Em certas ocasiões, o Bispo D. Antônio chegava
a assistir a algumas aulas, sentado conosco, perguntando e participando,
como se não soubesse de tudo! Foi a maior inteligência
que conheci, uma cultura universal, um poder oratório
que Montes Claros nunca teve igual, nem com o Simeão
Ribeiro... Era um admirável mundo novo, principalmente
para mim, que sem ternos e sem paletós – o primeiro
foi o Vadiolando Moreira que me deu - achava tudo aquilo um
sonho em realização. Maravilhosamente encantado,
sedento de aprender, nunca cedendo o primeiro lugar a ninguém,
uma coisa marcou-me profundamente a diretiva na vida e me tem
servido constantemente de bom exemplo: a alegria de viver de
Monsenhor Osmar Novais de Lima, nosso diretor!
NATHÉRCIO
FRANÇA
.........Sou dos que acreditam
que a finalidade da vida é o praticar o bem, o ser feliz,
o estar sempre em paz com o passado e em confiança com
o futuro. Sou dos que acreditam que o melhor dia da nossa vida
é o dia de hoje, a hora em que estamos vivendo.
.........O bom proceder, no presente,
redime as frestas que já se foram e prepara um porvir
que, de alguma forma, nos garanta uma normalidade de mente e
de coração, afastando possíveis e desnecessárias
preocupações antecipadas. Assim, cada dia constituir-se-á
de novas oportunidades de trabalho e aprendizagem, novos meios
de consolidar amizades, um tempo positivo de deixarmos a marca
de nossa passagem pela caminhada na Terra. E parece que não
estou sozinho no meu modo de pensar e de agir. Ainda existem
muitas criaturas que se preocupam na alegre busca da felicidade,
na afirmação de valores afetivos, no consubstanciar
das riquezas eternas do amor. Gente que, convivendo com o mundo
da máquina e recebendo os impulsos da moderna eletrônica,
ainda não se desvinculou de qualidades que só
dizem respeito ao bem-estar da alma das pessoas e das coisas.
Gente que se sente feliz com a felicidade alheia, que se emociona
com a alegria, que reparte sinceramente o bem com todos os semelhantes.
Conversando, ontem, no Centro Cultural, com o Padre Aderbal
Murta de Almeida, procuramos repassar antigos assuntos, reviver
antigas lembranças, apontar fatos marcantes que engrandecem
o patrimônio ideológico de Montes Claros, no cognitivo
e no emocional da história. Ele citou inúmeros
exemplos do grandioso, da bondade e da fé, do amor de
espontânea dedicação ao bem, daquele halo
de luz que acompanha a escalada evolutiva de figuras que marcaram
o nosso humanismo e a nossa cultura. Para resumir, ele propôs
dois nomes, que, pessoalmente, consideraria os mais importantes
na galeria do bem, no amar e no perdoar, na sabedoria do ser
e do viver. Expôs o primeiro, destacando o trabalho do
Padre Marcos e, quando eu ia interrompê-lo, tentando apontar
o segundo, ele adiantou o nome que já estava na minha
boca, lembrando-se clara e alegremente de Nathércio França,
o nosso grande Nathércio. Olhei para Nivaldo Maciel,
que conversava conosco, e vi que, pelo seu consentimento, se
demorássemos mais um pouquinho, ele teria pronunciado
as mesmas palavras antes de nós. De fato, considerando
o ponto de vista da capacidade do bem viver, do existir com
sabedoria e majestade, do ser irmão e ser amigo, do companheirismo
e da fraternidade, é Nathércio França a
maior figura da história de Montes Claros. Ninguém,
ninguém mesmo, pôde deixar de admirá-lo,
de sentir a elevação do seu amor, de compartilhar
com justo orgulho a sua sempre visível simpatia e o apreço
com que ele tratava cada momento da existência, numa fé
inquebrantável que só as grandes almas sabem ter.
Não estivesse a sua passagem tão perto no tempo
e no espaço, pois há tão pouco tempo nos
deixou, creio que a nossa consideração ainda seria
maior. Nathércio França foi, sem dúvida,
um momento inesquecível de nossa vida.
NECO
SANTAMARIA
.........Se o assunto está
espichando muito, a culpa pode ser debitada ao leitor. A culpa
ou o mérito, porque o leitor, em primeira e última
análise é quem determina o caminho que deve ser
seguido pelo cronista. Quando escrevemos em jornal, nosso maior
prêmio é a leitura imediata, a apreciação
do conteúdo,
os comentários que fazem amigos e adversários,
conhecedores, doutores ou simplesmente curiosos. Não
adianta escrever para não ser lido. Quem escreve para
si mesmo não deve publicar o que produz e os escritos
poderão continuar guardados, em gavetas ou dentro de
folha de livros, embora esse ato possa prejudicar a um virtual
leitor, muitas vezes necessitando de uma talvez preciosa informação.
.........Mas qual é mesmo
o assunto que eu estou espichando? Nomes de ruas, uai!... Esse
manancial que Montes Claros oferece a mancheias, rico, quase
folclórico, divertido, de certo modo até com características
históricas, o que poderá ser útil, no futuro,
a alguém que deseje inventariar ou associar fatos da
vida da cidade.
.........Combinei com Haroldo Lívio
para ele escrever o que sabia, já que ele foi o puxador
do samba, mas o meu caro amigo e colega, num terrível
silêncio, bateu asas e voou para um congresso de oficiais
de cartórios em plena realização na bela
Fortaleza do Ceará. Pode sr que, de lá, o Haroldo
mande
pelo menos um postal para o Lazinho, dizendo não ter
se esquecido dos tão saudosos Montes Claros dessa iniciante
primavera.
.........Minha história
de hora é ainda do bairro Todos os San-tos, pedaço
de terra que o Simeão Ribeiro Pires santificou desde
o papel vegetal do projeto-piloto, quando ele tinha escritório
ao lado do Colégio Imaculada, naquele velho prédio
da fábrica de tecidos de sua família. Digo minha
história, porque nesta eu tomei parte, parte ativa. Foi
uma pacata sessão de nossa Câmara Municipal, com
todos os senhores vereadores presentes, num dia em que alguém
disse não poder o bairro Todos os Santos ter uma rua
com o nome de Antônio Narciso, não sendo ele santo
de papel passado, embora membro de uma tradicional e respeitável
família, a mesma do colega Paulo Narciso, o homem da
FM. Haveríamos, então, de achar um nome de santo,
para a rua que hoje é chamada de São Tomé.
.........A primeira sugestão
de projeto partiu de Jonas Almeida, que propôs o nome
de São Judas Tadeu. Neco Santamaría não
gostou da ideia e protestou na hora: São Judas não
podia ser, porque é nome de traidor, que tinha vendido
o chefe para os judeus. Não sei se foi o Humberto Souto
que tentou um conserto de situação, indicando
o nome de São João Nepomuceno. Ainda aí,
Neco não concordou, dizendo que esse nome também
era suspeito, muito complicado. Explicado tudo muito bem explica,
que S. Judas Tadeu era outro que não os Iscariotes, que
São João Nepomuceno era até nome de cidade,
tão bom que era, o Neco continuou irredutível.
Além disso, havia muita rua com o nome de São
João, inclusive no bairro. Que arranjássemos um
outro.
.........Foi nessa hora que me
lembrei de um velho amigo que, antes da abertura da rua, já
morava naquele local, atrás do campo do Cassimiro de
Abreu. Era um servente de pedreiro muito bom, alegre, trabalhador,
casado com uma senhora muito distinta, boa lavadeira, boa doceira,
prestativa. D. Pedrelina. Nunca ninguém jamais havia
ouvido falar mal dele, era bom companheiro e bom vizinho, e
tinha um nome muito sugestivo, de santo muito conhecido: chamava-se
Tomé. Tomé de que, não sei. Tomé,
nome de santo. Neco protestou, ainda, dizendo que esse santo
não tinha fé, e precisou de colocar o dedo na
ferida de Jesus Cristo para acreditar na verdade. Não
teve jeito, a Câmara estava decidida Convencemos o Neco,
que esse São Tomé era muito bom, tinha até
os méritos das ciências exatas, porque queria ver
e tocar para crer. A decisão não demorou e foi
unânime. Hoje a rua chama-se RUA SÃO TOMÉ,
e tem moradores muito importantes...
NELSON
VIANNA
.........Tenho,
como patrono da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais,
um notável homem de letras da nossa região, um
regionalista e sério pesquisador de costumes, literato
de fôlego, um sentimental homem do sertão, sempre
vestido com roupagens de sério trato: Nelson Washington
Vianna, o curvelano montes-clarense.
.........Escolhi-o com o desejo
de marcar de modo definido minha admiração pela
obra diretamente ligada às gentes do grande sertão
do Norte, ao agricultor, ao caboclo, ao vaqueiro, ao frequentador
de feiras, ao fazendeiro, ao contador de “causos”,
ao tocador de viola, ao solitário das madrugadas e das
bocas de noites e aos que, cansados das tarefas do dia, sentavam
se ou se sentam nos calcanhares para ouvir ou falar com a maior
sabedoria do mundo. Nelson Vianna, com a sinceridade do cientista,
contou muito da esperteza do interiorano de Minas, homo rusticus
ou homo urbanus, sempre com a alma aberta à criação
de tipos, caracteres e personalidades de rara beleza para nossa
literatura. Ele despertou um sentido novo de humor, uma figuração
de inteligência e perspicácia, um savoir vivre
e savoir faire difíceis de se encontrar em outra literatura.
.........Perscrutador impenitente,
incansável olheiro da fraqueza humana, quase libidinoso
no modo de ver e interpretar, Nelson Vianna foi imaculadamente
o grande repórter de uma vasta reportagem do homem sertanejo
desse lado de cá do mundo mineiro, que vem de Curvelo
até os Montes Claros. Ele sempre viveu acompanhando vertentes
e serrarias, capões de mato e serrados, veredas e gerais,
cenários de vida e de literatura tão gratos aos
nossos corações. E pena que eu não tenha
conhecido tão bem Nelson Vianna como o conheceu Cândido
Canela, Olyntho da Silveira, Vianna de Góes, como o estudou
Haroldo Lívio. Homem distante, severo, de poucos amigos,
não dava muita oportunidade aos mais novos para conversas
e troca de ideias.
.........Lembro me de ter conversado
com Nelson Vianna apenas uma vez, no vestíbulo da casa
de Osmani Barbosa. Estava eu naquela ocasião interessado
em fazer uma pesquisa sobre a literatura do Grande Sertão,
exatamente no pedaço de terra que fica entre o centro
de Minas, a Serra das Araras e o Carinhanha. Precisava de dados
comparativos de dois estilos que dissessem diretamente sobre
o elemento humano, fruto telúrico da paisagem sofrida,
ponto de ligação entre a natureza e a vida do
passado e do presente. Propus, então, a ele uma entrevista,
do homem e do literato, para que eu pudesse, depois, compará-lo
com Guimarães Rosa, o outro lado do trato com o comportamento
sertanejo. Nelson Vianna espantou-se, olhou-me de frente, franziu
o semblante, parece até que tremeu e, considerou minha
atitude uma audácia: fazer comparação dele
com Guimarães Rosa não tinha propósito,
não havia paralelos; Guimarães, o grande escritor,
ele um joão-ninguém. É isso o que pensava.
Não, não era possível, era um absurdo,
não me daria entrevista alguma. Insisti, mostrei que
a diferença de estilos não desmanchava a beleza
nem a precisão descritivas da relação humana
e humanística do tema e que, embora divergentes, eram
um só. De nada adiantou, foi irredutível, iria
pensar, poderia ser ou não ser... mais para o não
ser.
.........O encontro de frente e
direto na casa de Osmani Barbosa com Nelson Vianna foi o último,
como também estava sendo o primeiro. Mudou-se o escritor,
logo em seguida, para Belo Horizonte. Quando o vi de novo, foi
andando lá pelo quarteirão montes-clarense das
ruas Tupis e Rio de Janeiro, mas aparentemente distraído
e, senhor ou não da vida, nunca me reconheceu. E até
parece que a Montes Claros nunca mais voltou. Coisas que só
o Haroldo Lívio, o seu biógrafo, deve entender...
OSMAR
CUNHA
.........A lembrança mais
antiga que tenho de Osmar Cunha é de Taiobeiras, ano
de 1948, quando ele, estudante de contabilidade em São
Paulo, veio passear por um período de férias.
Sério e alegre ao mesmo tempo, mais novo do que a idade
exigia, era a elegância em pessoa, com ternos e gravatas
da última moda, tecidos caros, cortes perfeitos. A qualidade
estava numa distância enorme para a de uso de qualquer
outro vivente comum, inclusive a de seu irmão Dudu Cunha,
que também sempre foi muito granfino. Ninguém
vestia ou calçava como Osmar, porque, de São Paulo,
ele sempre escolhia o melhor, uma vez que dinheiro e bom gosto
nunca lhe foram problemas. Invejado por nós, pobres mortais
de Taiobeiras? Não, não creio. Na verdade, Osmar
Cunha era é respeitado, admirado, elevado a um patamar,
algo assim como se fosse herdeiro do trono do Brasil. O melhor
a quem de direito!
.........Também não
me lembro de Osmar namorador como Dudu, ou como qualquer outro
de nós, mesmo os meninos, que normalmente tinham mais
de um flirt Osmar era comedido, calmo, mais ligado às
pessoas de idade, para conversas de assuntos mais importantes.
Mesmo para uma cidadezinha culta como era Taiobeiras em 1949,
quando se discutia literatura, acontecimentos mundiais, artes,
esportes, concursos de misses, quando existia uma meia dúzia
com algum domínio do inglês, Osmar ainda era considerado
de padrão superior, principalmente por morar e estudar
no centro da cidade de São Paulo, como filho de família
rica. Mas, no meio de toda importância, Osmar fazia algumas
concessões ao jogar futebol, nadar na barragem, jogar
pôquer, dançar, dar voltas em torno da feira de
sábado, ir à missa na antiga igreja perto de sua
casa. Namorar, namorar, que era o esporte mais gostoso era só
com a Laury, a moça mais culta e mais bonita, também
viajada e lida como ele. Ou mais que ele!
.........Não me lembro de
Osmar político, candidato a prefeito de Taiobeiras, porque
aí, eu já morava em Montes Claros. Talvez por
uns dois passeios rápidos por lá, quando eu ia
ver Olímpia e a minha família, tenho lembranças
poucas, “flashes” dos acontecimentos, com um quadro
mergulhado de paixões, a situação batendo
duro, furtando escandalosamente para não perder o mando,
não respeitando nem a elegância de Osmar. Lembro-me
de Laury lutando com todas as forças, até pegando
em armas, como um dia em que ela espantou uma multidão
de adversários, fazendo todos correrem sob a mira de
uma carabina. Mas de Osmar, não me lembro! Sua capacidade
só diplomática, elevada, acima das efervescências
maledicentes, não pôde o conduzir à vitória.
Votos comprados, urnas fraudadas, todo tipo de astúcias
e tramóias dos adversários tiraram a sua vez.
Triste e desiludido mudou-se para Montes Claros. Secretamente,
caladão, nunca cicatrizou a paixão da derrota.
Com amargo sorriso era que falava da política de Taiobeiras.
Acredito que esperava, se mais vivesse, dar um elegante troco
àquela gente de sua terra.
.........Em Montes Claros, sempre
comerciante, ao lado de Dudu ou sozinho, Osmar talvez tenha
sido o empresário mais amado e querido por seus clientes
e fornecedores. Não sei e talvez ninguém saiba
de alguém que não gostasse dele. As pessoas o
adoravam e nele confiavam sem limitações. Nenhum
documento valia mais que a palavra de Osmar. Nenhum prazo era
tão rígido no comércio que ele não
pudesse ceder em favor de um devedor mais apertado. Quantas
vezes Dudu não ficou com o coração nas
mãos diante da bondade de Osmar, sempre ajustando vencimentos,
sempre ajudando alguém! Osmar era uma espécie
de pai dos pobres e deserdados, que o digam os pequenos comerciantes
de Montes Claros e de todas as cidades do Norte de Minas e Sul
da Bahia. Até hoje vejo-os chorar de saudades!
.........Osmar Cunha, elista, rotariano,
marido, pai, irmão, companheiro e professor de muitos,
nunca foi um homem comum, nem só um homem elegante. A
estrela de ouro que, por nobreza, deixou no mundo, por muito
tempo ainda brilhará e abrirará caminhos de luz,
de amizade e de admiração!
PADRE
ADHERBAL MURTA
.........A primeira vez que vi
o Padre Murta foi no sobradão da Rua Coronel Celestino,
corredores da Faculdade de Filosofia, em noite de muita movimentação
e barulho por ser início de ano letivo. Ele andava e
conversava, olhava diretamente nos olhos dos e das colegas e
batia-lhes nas costas, nos ombros e nas cabeças, em carinhosos
gestos de coleguismo e amizade. Com os professores, um sorriso
amigo, cumprimentos e até abraços. Parecia que
conhecia a todos, de todos fosse um velho camarada, um companheiro
de anos e anos de lealdade. O Padre Adherbal Murta estava chegando
para ser aluno do curso de Pedagogia, mais um calouro da nossa
querida Fafil. Um dos melhores ou o melhor que passou por lá.
.........Alguns anos mais tarde,
tenho a honra de receber Padre Murta como confrade da Academia
Montesclarense de Letras. Foram momentos de inusitado deleite
intelectual, com discurso erudito e importante, pleno de sabedoria
de um dos homens mais cultos deste País e do mundo. De
formação humanística da maior e melhor
qualidade, ele foi sempre um clássico por excelência,
conhecedor de pleno domínio do latim e do grego como
poucos ainda podem saber. A Eneida, de Vergílio, para
ele, era texto do dia-a-dia, pronto para recitá-lo a
quem pudesse interessar, na mais perfeita memória, de
cor e na ponta da língua, fosse num salão, fosse
durante uma viagem. Padre Murta dominava a lógica, a
teologia, a história, a filosofia, a pedagogia, o mais
vasto universo de cultura e conhecimentos. Não foi sem
motivo que passou brilhantemente por tão importantes
centros de cultura no Brasil e na Europa.
.........Mais
tarde, vejo-me seu padrinho no Rotary Clube de Montes Claros
- Norte, noite de muita emoção para todos os mais
de cinquenta companheiros. Tive a honra de colocar em sua lapela
o distintivo de uma das mais importantes organizações
do mundo atual, com certeza a mais prestigiada pelo trabalho
internacional de erradicação da pólio,
pelos intercâmbios de cultura, pelos serviços comunitários
em 208 países e regiões geográficas. Em
dezembro de 2006, foi Padre Murta um dos primeiros que convidei
para participar da fundação do Instituto Histórico
e Geográfico de Montes Claros quando, pela nossa mútua
confiança, aceitou na hora, escolhendo como patrono Waldemar
Versiani dos Anjos. Na noite de inauguração, era
ele um dos mais entusiasmados e conscientes do dever de fazer
e registrar a história.
.........Onde estivesse –
no púlpito, na cátedra universitária ou
de qualquer escola, na tribuna acadêmica, em qualquer
encontro de amigos – Padre Murta sempre mostrava a que
veio em passagem pela vida: sua oratória era realmente
brilhante, com uma capacidade de amar o próximo em verdadeiro
marco de grandeza. Seu dinamismo e capacidade de trabalho sempre
encantaram a todos. O Criador concedeu ao Padre Murta qualidades
– que eu creio ele nem pediu tantas. Sobrou-lhe, acima
de tudo, talento e simpatia, fé nos destinos da humanidade.
.........Agradeço muitíssimo
a Deus por ter sido contemporâneo dele, por ter convivido
muito com ele. Sinto, porém, por demais, estar escrevendo
esta crônica com os verbos no passado. São muitas
as lágrimas, muitas, fruto de uma imensa e amiga saudade!
PEDRO
MARTINS SANT’ANA
.........Em primeiro lugar, eu
gostaria de saber se já houve um professor de História
melhor que Pedro Martins de Sant’Ana. Sempre foi ele uma
pessoa notável, metódica, eficiente, capaz de
despertar grande interesse nos alunos. Ninguém encaminharia
tanto saber a um discípulo se realmente não o
tivesse. Não se transmite gosto e amor, simpatia ou paixão,
quando não se tem essas qualidades. Pedro, como fruto,
tinha de originar-se de árvore de primeira cepa. Era
realmente um homem de grande saber histórico, mestre
da didática, capaz de ensinar até a estátuas
de gelo que estivessem sentadas em sala de aula. Aliás,
ele não só ensinava, vivia como artista cada página
da história.
.........Pedro Sant’Ana,
nos velhos idos do Colégio Diocesano, fim da década
de quarenta, início da de cinquenta, era um árbitro
da elegância, no vestir e no falar. Seus ternos eram mais
bem talhados do que os das pessoas granfinas da Rua Quinze,
de tecidos mais caros do que os da gente rica do Clube Montes
Claros. Tinha-os tantos, que não os repetia durante um
mês de aulas. Famosas gravatas de seda pura, camisas de
colarinhos trubenizados, engomadas com esmero, sapatos Scatamákia
de cromo alemão com tonalidades que iam do marrom claro
até o escuro-preto.
.........Era uma época de
ouro das alfaiatarias e das lojas de luxo, quando cada par de
meias era escolhido como se o freguês estivesse bateando
ouro ou faiscando diamantes. Aí, Pedro Martins de Sant’Ana
era o mestre do bom gosto.
.........Lembro-me
de que o professor Pedro Sant’Ana era bom, humilde quase
nunca, algumas vezes arrogante, consciente do seu próprio
valor durante todo o tempo. Jamais concedia a si mesmo uma dúvida
por menor que fosse. Era um monumento de saber, na História,
nas Ciências Naturais, no Inglês. Primeiramente
na História. Aí era inesgotável sua eficiência.
Falava dos Césaros e dos Antoninos, de Aníbal
e de Alexandre, de Ramsés ou de Napoleão, de Gêngis
Kan onde César Bórgia como se fosse ele, Pedro,
colega de campanha ou vizinho deles. Como percorríamos
as ruas de Atenas e de Esparta, de Roma e de Alexandria, de
Tebas ou Jerusalém, vivendo suas palavras! Com Pedro
Sant’Ana, lutamos em Dardanelos, corremos em Maratona,
navegamos no Rio Nilo, atravessamos o Mar Vermelho, fizemos
nossa a Mesopotâmia!
.........Pedro Sant’Ana,
que grande professor! Não me consta que jamais tenha
trabalhado pelo salário, pelo vil dinheiro, somente pelo
pão de cada dia. Trabalhava muito mais pelo entusiasmo,
pela visão multissecular dos heróis da História,
pela experiência milenar dos sábios. Alimentava-se,
parece, pela retórica, tendo, como material da vida,
a palavra, a palavra viva, sonora, marcante nas consciências
jovens. Para nós, seus alunos, o verdadeiro descobridor
do Brasil, o homem que abria as selvas, rasgava estradas, construía
escolas, levantava templos, era ele Pedro Sant’Ana, o
grande Pedro. O mestre com carinho de um velho guerreiro!
.........Pedro Sant’Ana,
sem favor nenhum, teve outro mérito: culto, vibrante,
polêmico, destemido, desaforado, foi um dos dez melhores
oradores da história de Montes Claros. Merece um lugar
importante em nossa galeria de personagens!
PETRÔNIO
BRAZ
.........É
sempre no emotivo-racional que o meu amigo, irmão, colega,
companheiro e confrade Petrônio Braz encontra a razão
de ser e a razão de viver. Exatamente isso: Petrônio
tem um coração inteligente e um cérebro
afetivo com incríveis nuances de amor – amor a
Deus, amor à pátria, amor à família,
amor aos amigos, até o amor que povoa o mundo e as vidas
do mundo. Desde os dias do seu curso primário no Grupo
Coelho Neto até este momento de posse na Academia Montesclarense
de Letras, cérebro e coração de Petrônio
andam mais do que juntos. Até na hora da escrita de tratados
de Direito - território de exigências de precisão
acadêmica – ele pluraliza teorias e conceitua humana
gestualidade. Homem de trilhas, de veredas, de caminhos, jamais
adotou a paralelística dos trilhos. Nunca as formalidades
fatalistas de destinos imutáveis, como se existências
fossem semelhantes a traçados de estradas de ferro. Petrônio
é um ser de livre arbítrio, acima de tudo, ser
de liberdade, alma em constante evolução, eternamente
aluno na escola do viver e progredir. Determinado, nunca abriu
mão de construir o próprio destino e arquitetar
a própria vida. Ser social, mesmo estando só,
trabalha para construir e reconstruir a história e a
geografia onde acontecimentos se impõem.
.........Difícil para mim
o compor a estrutura desta fala, porque há muito pouco
tempo , aqui mesmo na Academia Montesclarense de Letras –
na apresentação do livro Serrano de Pilão
Arcado – delineei traços completos da biografia
de Petrônio Braz, dizendo dos seus sólidos saberes,
floreando sobre seus feitos políticos, jurídicos,
históricos e literários, aplicando-me em dialética
sobre suas vivências, convivências e conveniências.
Não quero, não devo, não posso duplicar
ou multiplicar informações, muitas das quais este
público já conhece à exaustão. Naquele
momento, falei da multidão de seus títulos em
rica escolaridade no Brasil e no exterior, da participação
continuada de inúmeras instituições em
Belo Horizonte, São Paulo, Brasília e outras capitais,
da elogiável plataforma de publicações
no Direito e na Literatura, até com razoável riqueza
em direitos autorais. Falei também da sua constante atuação
política, a partir dos 23 anos de verde juventude, quando
foi prefeito de São Francisco, cidade natal, onde também
exerceu vários mandatos como legislador. Disse também
de sua atuação como administrador e professor
em Belo Horizonte, Montes Claros, Várzea da Palma, Coração
de Jesus e João Pinheiro. Citei quase um mapa da região
norte-mineira, onde atuou como conselheiro político e
consultor jurídico, vasto currículo em municípios
como Espinosa, Ibiaí, Ibiracatu, Indaiabira, Matias Cardoso,
Montezuma, Novorizonte, Patis, Riachinho, Rio Pardo de Minas,
Santo Antônio do Retiro, Taiobeiras, Ubaí, Urucuia.
Vargem Grande, Chapada Gaúcha, Jaíba, Mirabela,
Monte Azul, Pirapora, Santa Fé de Minas, São João
da Ponte, São Romão, Fruta de Leite e por último,
mas não por derradeiro, a cidade de Montes Claros, capital
da região. Preciso aumentar latitudes e longitudes nesta
geografia.
.........Fundador e presidente
da Aclecia – Academia de Letras, Ciências e Artes
do São Francisco, fundador e Diretor-secretário
do Instituto Histórico e Geográfico de Montes
Claros, fundador e membro da Aclav – Academia de Ciências
e Letras de Várzea da Palma, Petrônio Braz atua
diligentemente no Instituto Brasileiro de Estudos Monárquicos,
na Associação Brasileira de Escritores, na União
Brasileira de Escritores, na Academia Petropolitana de Poesia,
na Academia de Letras de Uruguaiana, na Casa do Poeta Brasileiro
e na Sociedade de Escritores Lationoamericanos y Europeos, esta
na Itália. Muitos os prêmios literários,
títulos de cidadania, muitas as medalhas e comendas recebidas
por Petrônio, incluindo aí a Medalha Santos Dumont,
do Governo de Minas Gerais.
.........São
tantos os certificados, tantos os diplomas, que muitas paredes
seriam necessárias para uma exposição justa
e meritória.
.........Treze obras jurídicas,
algumas em coleção, sete obras literárias
e participação em dezenas de antologias e revistas,
publicação quase diária em jornais, Petrônio
é realmente um homem de letras mais do que presente ao
agrado de milhares de leitores. Trabalha agora em precioso livro
sobre a Conjuração do São Francisco, primeiro
momento na tentativa de independência, revisão
histórica importante para o prestígio de Minas
Gerais, esta Minas sempre incentivadora da autonomia pátria
e da liberdade. Petrônio Braz, nos seus oitenta anos de
vida, também hoje comemorados, é homem que muito
realizou e que muito ainda tem a realizar. Sempre prático,
trabalha por prazer e sabe que pode tornar reais metas traçadas
ou sonhadas. Nunca temendo mudanças, tem coragem para
abrir caminhos, enfrentar desafios, criar soluções,
correr riscos. Intelectual completo, de cultura multifacetada,
bom de serviço, sabe que tudo que faz sempre dá
certo, principalmente quando conta com a ajuda da esposa Fátima,
ainda mais determinada do que ele. Muito bom tudo isso, porque,
no final, o lucro é nosso.
.........Neste momento de glória
em que trinta e nove componentes da Academia Montesclarense
de Letras abrem braços e corações para
receber Petrônio Braz, agradecemos a Deus por tê-lo
a completar o nosso quadro social. Juntos – ombreando
academicamente – agora que somos quarenta como na velha
Academia Francesa, muito mais poderemos realizar. O nosso mais
fraterno abraço, meu jovem oitentão, Petrônio
Braz. Os que vão viver e continuar contigo, te saúdam.
Calorosamente, sim Senhor!
REIVALDO
CANELA
.........A maior e mais verdadeira
prova de seu amor, Reivaldo, esteve sempre delineada e aplicada
no ato diário de seu viver e conviver. Uma linda viagem
terrena em que você doou, recebeu, compreendeu, compartilhou,
apoiou, aceitou e foi aceito, olhou em torno e dentro de si
mesmo. Sua existência, Reivaldo, foi uma lembrança
sempre presente da infinitude do amor de Deus perante cada manifestação
da natureza: nas flores, nas águas, na dança das
folhas, nos vôos e nos cantos dos passarinhos, nas presenças
e nas manifestações de carinho dentro de casa
e no brilho dos olhos de seus amigos. Sua vida, Reivaldo, foi
uma colheita de esperanças e alegrias, tudo positivo,
ambição só a necessária para as
despesas de cada dia. Sua vida, Reivaldo foi construída
nos sonhos e concretizada no amor. Afinal, a fé sem obras
é morta. Qual o proveito em dizer que tem fé,
mas não tem obras? Seu pensamento, religiosamente ou
não, foi o mesmo do apóstolo Tiago. Não
bastava crer, era preciso realizar.
.........Você nem imagina
como foi sempre a minha alegria e o sentimento da riqueza do
amor sempre que visitei você em manhãs de domingo,
casa cheia de olhares vibrantes de toda a sua família,
às vezes do Reinine e até de um ou outro amigo
mais próximo. Todos, mesmo parecendo com os pés
na terra, tinham as cabeças nos sonhos. Quanta dignidade,
quanta coerência no exercício de amor e na certeza
de que a vida só é válida quando vem condimentada
com os sabores da felicidade. Sabe o que foi sempre o mais bonito
em você? Nunca se empolgou com o próprio brilho,
nunca se envaideceu da maravilhosa inteligência que lhe
dourou palavras e ideias, ações e realizações.
Ser humano justo, em todas as horas você inspirou, estimulou,
energizou, pessoas e coisas, proporcionou conforto a tudo que
a natureza o rodeou e pôs no seu contato.
.........Pensando em você
com saudade, lembro-me da Parábola do Bom Samaritano,
daquele viajante que tendo saído de Jerusalém
para Jericó, fora assaltado por ladrões no meio
do caminho, ficando ferido e desfalecido, à beira da
estrada, o que não sensibilizou os dois religiosos que,
mesmo vendo a cena, desfilaram pela outra margem, sem preocupação
ou vocação para o bem servir ou para a fraternidade.
O atendimento foi feito por um passante originário da
Samaria, uma região pobre e nunca considerada pelos importantes
da época. O samaritano limpou-lhe as feridas, aplicou
os remédios de que dispunha, colocou na alimária
e seguiu viagem com ele até um ponto de apoio. Lá,
hospedou-o, pagando as despesas, deu o atendimento complementar
e, tendo de logo viajar, recomendou ao estalajadeiro bem cuidasse
dele, prometendo, caso houvesse novas despesas, pagar-lhe-ia
na volta. Neste episódio há três filosofias:
para os ladrões (partidários da distribuição
social), a ideia é de que “o que é seu é
meu”; para os religiosos (não responsáveis
diretos pela violência ocorrida), “o que é
meu é meu e o que é seu é seu”, o
problema é do dono do problema; para o samaritano, entretanto,
sofredor do dia-a-dia, só vale uma decisão de
amor, “o que é meu é seu”. Cito este
relato bíblico, Reivaldo, para lhe dizer que a sua vida
foi efetivamente a de bom samaritano, três quartos de
século de eterna doação. Sua alegria, sua
gentileza, seu conhecimento, seu amor, todos os seus sentimentos
de cidadania e de fraternidade sempre pertenceram às
outras pessoas. Nobre Reivaldo Canela, os que viveram próximo
a você e todos nós, companheiros e amigos, continuaremos
por aqui vivendo e saudando-o mais do que calorosamente. Você
foi sempre amado e admirado. E árvore plantada com amor
nenhum vento derruba. Nem mesmo num grave momento de despedida.
ROQUE
FERREIRA BARRETO
.........Podia ter sido uma reunião
como qualquer outra, mas não foi. Era a noite de uma
sexta-feira dezessete, com apenas um assunto na pauta, sem presença
obrigatória. A ordem-do-dia era a entrega de um diploma
de cidadania como já fora feito às centenas nos
últimos anos, a todo tipo de gente de muito ou de algum
mérito, mas nunca de nenhum. Presentes uma maioria pequena
de vereadores, toda administração e bom número
de funcionários do Banco do Brasil, o secretário
da administração municipal, o presidente do Sindicato
dos Bancários, o padre Murta, uma boa vizinhança
da Rua Cairo, filhos e genros do cidadão empossado, Roque
Ferreira Barreto. Um auditório, para bem da verdade,
lotado, todas as cadeiras ocupadas, muita assistência
de pé. De jornalistas só dois: o muito ilustre
Haroldo Lívio de Oliveira e eu. Um bom cenário
para um grande acontecimento.
.........E entrega de diploma de
cidadão honorário de Montes Claros dá sessão
importante? A resposta lógica é que não,
tantas vezes a cerimônia foi repetida, tantos foram os
discursos de agradecimento, sempre a mesma retórica,
tantas as saudações de autores dos projetos, constantes
os mesmos argumentos biográficos. A imprensa nem mais
dá atenção, não vai lá, não
noticia, parece até num pacto de esquecimento deliberado.
Será que ser cidadão de Montes Claros já
nada mais acrescenta? Será que o honorário não
mais é uma questão de muita honra? É uma
incógnita para os matemáticos das pesquisas de
opinião, pois quando um assunto não mais dá
ibope é preciso pesquisá-lo mesmo que seja por
curiosidade. Ou há uma campanha surda e silenciosa contra
as homenagens da Câmara?
.........Veja o leitor que tenho
razão de estar escrevendo, aqui sobre o assunto. É
que a reunião do diploma do Roque Barreto não
foi uma sessão comum, foi uma apoteose, a que esteve
presente até o meu amigo Jair Caldeira, por sinal um
dos mais entusiasmados. Tudo preparado em matéria de
promoção - louve-se mais uma vez o Roque como
o relações-públicas do ano - não
faltou um só detalhe da parte do público, já
que a Câmara nem poderia suspeitar do banquete cívico
que convocara. É que os amigos e colegas do novo cidadão
não foram lá de brincadeira, levaram o assunto
a sério, começando pela pontualidade. Na hora
marcada, a casa já estava cheia, com Roque sem saber
se ficava sentado ou de pé, tanto convidado havia para
receber, para dar tapinhas nas costas.
.........Do lado pessoal, é
bom explicar que o discurso do Roque eu, como colega, já
preparara há dois meses, datilografado em espaço
três, fita nova na máquina para ficar mais visível,
letra grande, vocabulário escolhido, frases curtas, pontuação
equilibrada, lugares marcados para gesticulação,
tempo cronometrado, tudo planejado como se fosse a fala do trono
da Inglaterra. A indumentária do dono da festa foi o
nosso assunto mais importante do último mês: a
cor do terno, um azul entre o cinza e o chumbo, a camisa, a
gravata de crochê com matizes de ultramar, as meias com
baguetes em relevo, os sapatos de pelica negra novinhos e bem
polidos, tudo novo até o lenço e a cueca... O
nó da gravata e o colarinho foram objeto de muito cuidado
até à última hora, segundos antes de ser
recebido pela comissão introdutória composta dos
vereadores Cláudio e Pimentel.
.........As presenças do
padre Murta, representante do poder espiritual; de Luiz Modesto
e José Lúcio, do poder econômico; de José
Maria, do poder executivo; de Juarez Antunes, do poder sindical;
dos vizinhos e familiares, do poder do amor; da própria
Câmara, como poder legislativo; e nossa - falo em nome
de quase uma centena de funcionários do Banco do Brasil
- o maior poder de apoio e de aplausos que um baiano de Amargosa
pode receber na vida. Nada faltou, ou quase nada, notada apenas
a ausência de Ildeu Gonzaga, que poderia ter dado um show
à parte. Foi uma noite de glória, de emoção
nunca vista, nunca ouvida ou apalpada. Foi como se cada um estivesse
ligado a uma antena de sensibilidade.
.........Só para terminar,
sem exagero: da tribuna, até o lugar que lhe foi destinado,
Roque Barreto levou dez minutos para chegar, pois Câmara
e Mesa se derramaram em cima dele de abraços que nunca
acabavam. O Haroldo quase chorou, ele é o descobridor
do Roque como carnavalesco dos anos sessenta (Carnaval em Moc
só na base do Roque). Do plenário até a
porta da rua, vinte minutos. Já ia me esquecendo: o Roque
foi levado à Câmara pelo Jadir Colares Duarte,
melhor motorista e dono do mais lindo e rico automóvel
da classe bancária: um Del-Rey metálico prateado,
novinho, zero e pouco! A Globo não sabe o que perdeu:
já pensou se ela tivesse televisionado tudo, assim com
quatro ou cinco câmaras, buscando cada detalhe?
.........Parabéns ao Vereador
Milton Cruz por ter inventado o projeto.
RUFINO
COELHO
.........Quase
carioca, mas diamantinense, sincero homem de Montes Claros,
Rufino Coelho viveu bem vividos quase setenta anos. Vida discreta,
de alegria cometida, mas, de constante e sincera amizade com
seus muitos amigos. De Montes Claros, Rufino foi quase quarenta
anos, pois, desde os idos de quarenta e cinco já estava
no centro da cidade com a Joalheria Pádua e Coelho, com
vitrines e oficina cheinhas de ouro e coco de pratas e cristais
e, com eles, retratos de artistas bonitas do cinema americano,
olhos claros e cabelos cacheados... Nesse tempo, Rufino era
sócio de um joalheiro famoso de Diamantina, o Sóter
Pádua, filho de outro ainda mais famoso, o Antoninho.
É que o nosso Rufino havia trabalhado lá, na terra
do Juscelino, durante os anos da mocidade, onde se tornou um
habilidoso artesão na arte do coco-e-ouro, interessado,
criativo em muitos tipos de jóias e enfeites. De lá
para cá, foi um passo, o que acredito foi muito melhor
para nós...
.........Nascido em Silva Jardim
(quem se lembra da Silva Jardim, um nome muito conhecido, de
um grande brasileiro que morreu em erupção do
Vesúvio, na Itália?), no Rio de Janeiro, dois
anos antes de terminar a Primeira Grande Guerra, mais precisamente
em 1916, e é por isso que é quase carioca. Caçula
de uma família de 21 filhos, criado em fazenda, cresceu
aprendendo o rigor de quem, no meio de família numerosa,
vive sem privilégios, onde os pais chegaram a esquecer
momentaneamente os nomes dos seus descendentes. Deve ser por
essa razão que se tornou muito independente, pouco dividindo
dores ou alegrias, mesmo com os mais íntimos, jamais
gostando que as pessoas tomassem conhecimento dos seus problemas.
Teimoso, arredio, nunca soube desistir daquilo que achava justo
e correto. Nascido em 21 de abril, tinha como companheiro de
aniversário um seu companheiro de Rotary Clube, ainda
mais cheio de vontades do que ele: Antônio Lafetá
Rebelo.
.........Rufino era artista não
só dos metais de alta nobreza, a platina, o ouro, a prata,
ligas tão raras nos dias de hoje, era sincero amante
da música clássica, conhecendo muito bem os melhores
autores, e entre eles, o que havia de melhor nas suas composições.
Ouvia-os sempre, na cidade ou na fazenda e, nessa doce atividade,
soube aproveitar cativantes momentos de descontração.
Rufino era também excelente fotógrafo, de cliques
e de laboratório, no que sempre demonstrou engenho e
arte, técnica e satisfação. Adorava fotografar
e se encantava à espera das imagens.
.........De luxo nenhum, simples,
metódico, cuidou de ser sempre um homem muito cuidadoso.
Em casa, no trabalho, nas viagens – e como Rufino sabia
apreciar as viagens – estava sempre bem vestido, daquele
tipo de apronto que tanto serve estar na varanda da própria
casa como num jantar do Rotary ou do Elos, ou mesmo saindo ou
chegando no Quarteirão do Povo, onde ficava seu trabalho.
Rufino soube viver bem, vida sem pressa, bonita, admirada, de
bom profissional , bom chefe de família, de colega membro
de clubes e de sindicatos e de associações, pois,
sempre ligado aos interesses da comunidade. Vida útil
e exemplar. Vida que merece nota de destaque.
.........Deve ser por todo um mundo
de qualidades que Rufino deixou-nos muitas saudades. Agradáveis
saudades!
RUTH
TUPINAMBÁ GRAÇA
.........Não
faz muito tempo, num comentário que fiz, no Elos Clube,
sobre Hermes de Paula, falando em continuidade dos registros
históricos de Montes Claros, apontei a acadêmica
Ruth Tupinambá Graça como a pessoa indicada para
essa tarefa. Sei que alguns ouvintes devem ter julgado minha
opinião como fruto de entusiasmo de orador de momento,
um arroubo de amigo e companheiro. A própria Ruth Tupinambá
deve ter pensado o mesmo, pois sorriu descrente, nunca se colocando
como continuadora da obra do nosso mais famoso historiador.
A memória remota e recente sobre Hermes de Paula ainda
é muito viva a admiração por ele é
incontestável, a visão de sua luta diária
com os acontecimentos o coloca como insubstituível e,
por isso, ainda não se firmou o pensamento de que a história
não pára e exige outro acompanhante. Continuo,
pois, dizendo que depois de Hermes de Paula deverá vir
Ruth Tupinambá Graça, como eu disse a ela mesma
hoje numa reunião conjunta da Academia Montesclarense
de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico
de Montes Claros. Não só deve, como precisa que
venha. Precisamos de alguém que conheça a cidade
e sua gente, alguém que goste do trabalho de registrar
acontecimentos e de marcar as presenças das personagens
nesses acontecimentos. Alguém que tenha amor suficiente
à cidade e que saiba como manusear as palavras para pintar
e descrever os momentos dignos de registros. Precisamos, sobretudo,
de uma pessoa que seja, ao mesmo tempo, repórter, cronista
e contadora de histórias e estórias. E estas qualidades
a autora de “Montes Claros Era Assim...” tem de
sobra.
.........Sem
nenhuma intenção de fazer trocadilhos, posso dizer
que Ruth Tupinambá tem muita graça para isso.
Escreve com a suavidade de quem toma banho em cachoeira, com
limpidez e transparência. Ressalte-se também o
fato de ela conhecer muito bem o passado de Montes Claros, desde
quando se entendeu por gente. Menina curiosa, versátil,
muito inteligente e perspicaz, ela observou tudo e, às
vezes, até acompanhou e viveu muitos episódios,
principalmente a atuação das pessoas, as visões
de cortes sociais, os ambientes, as mudanças físicas
e psicológicas. Analista da alma humana, Ruth Tupinambá
alcança cada gesto, cada piscar de alegria, cada remoer
de tristezas. Em tudo ela vê cores, sons, dimensões,
o amor ou o desamor, as crendices, o folclórico. Ruth
tem imensa saudade de todas as horas, e isso lhe dá condições
de sempre refrescar as lembranças da memória e
do coração. Parece-me um bom passaporte para a
posição de historiadora, pelo menos para a criação
de história apaixonada como sempre o fez Hermes de Paula.
.........Já quase sem espaço
nesta crônica, quero dizer que o livro “Montes Claros
Era Assim...” é uma boa oportunidade de conhecermos
o passado da cidade, esse conjunto de gente sertaneja e vivedora
que soube crescer e multiplicar. É bom e importante ler
depressa (ou devagar, conforme o gosto) todas as crônicas
do livro de Ruth Tupinambá para saber tudo ou, pelo menos,
o lado mais interessante das coisas e das gentes. Nelas estarão
os cometas, os tropeiros, os bruaqueiros, o velho Christoff
(pai de Konstantin), o velho João Maurício, o
primo Luís, o Sinval e seu bar, a Euterpe Montes-clarense,
o Cine Montes Claros, São Luiz e Coronel Ribeiro, o footing
da Rua Quinze, as boiadas, os carros de bois, os circos, os
primeiros carros de praça, a seresta, as modinhas, a
brincadeira da argolinha e a de fazer a gata parir, a matriz,
a catedral em construção, as ruas das mulheres
de vida livre, as publicações da Gazeta do Norte,
um grande universo de assuntos que marcam saudades. Depois da
leitura, pode vir o julgamento se Ruth Tupinambá é
ou não nossa futura historiadora. De minha parte tenho
mais que certeza disso!
SEBASTIÃO
MENDES - DUCHO
.........Poderia demorar o tempo
que demorasse, mas a primeira crônica, depois de longo
período de ausência, teria de ser sobre o meu amigo
Ducho, pai de Glacira e Tháis, de Lúcia e Fátima
de Tarcísio e Expedito, de Tiãozinho e Raimundo,
pai de Miguel e marido de Dona Geralda, claro que esta crônica
era para ser escrita por ocasião das homenagens que lhe
foram prestadas por alunos e professores do Conservatório
Lorenzo Fernandez. Deveria fazer parte do momento vivo de amor
e admiração, na festa cantada em prosa e verso
numa noite de maior alegria do amigo Sebastião Ducho,
mestre da arte de ser feliz. Passado o momento, não passou
a ocasião. Eis-me aqui falando dele.
.........Realmente, para falar
de Ducho não precisa de pressa. Ele é o homem
da calma constante, da boa disposição íntima,
da alegria bem comportada, do sorriso sério, um desfilar
de completa felicidade. Homem lúcido, realista, racional
e equilibradamente místico, é o filósofo
elegante e de bom trato, sempre portador de uma palavra amiga,
sem qualquer sina de ostentação. Ducho é
um homem, sobretudo, interessante, sóbrio e limpo, parece
estar sempre saindo do banho; amigo de todos, é equidistante,
não se apega nem se afasta de ninguém; um quase
silencioso e respeitado companheiro, pois fala comedido como
um velho marinheiro, voz suave de um vitorioso embaixador. Não
creio que Ducho guarde no coração qualquer traço
de ressentimento; pois seu olhar é de completa paz, um
misto de Sócrates e de Gandhi, parece co-nhecedor dos
mistérios de Eleusis, um tipo de viajante feliz do Nirvana,
com passagem pela Terra.
.........Falando com Ducho, certa
vez, sobre religião, perscrutando profundamente seu pensamento,
perguntei-lhe sobre seu conhecimento espírita e até
aonde ia sua convicção nos postulados da codificação
de Kardec, tal sua harmonia de ideias, um tanto de Buda e muito
Krishnamurti. Ele sorriu com o mais amistoso dos sorrisos e,
sem qualquer atitude crítica, disse-me que era um fiel
respeitador de todas as opiniões religiosas, mas que,
por questão até de inteligência, procurava
situar-se sempre acima delas, jamais as tocando diretamente.
Para se viver bem com todas; respeita-as, aproveita de cada
uma o melhor. É preciso sobre pairar do alto, não
se envolver não tomar partido, ler de tudo, e retirar
a essência como aconselhou o sábio Paulo de Tarso.
Aí está o segredo obtido das suas observações
e de muita leitura que sempre fez, porque muitos são
os caminhos que levam a Deus.
.........Para Ducho, o purgatório
que o homem tem construído poderia transformar-se em
céu, se o estado geral das consciências fosse melhor,
se houvesse menos ambição, menos pressa, esse
eterno jogo em busca do poder e da riqueza. Cada criatura deveria
legislar o próprio bem com a busca do equilíbrio,
da tolerância, confiando na sabedoria divina, cuidando
de não se ferir e não ofender os companheiros
de romagem da vida. A felicidade pode ser encontrada, e ele
sempre a encontrou. Afinal se não fosse assim, como estaria
diante dos seus milhares de amigos?...
.........Bem mais de oitenta anos,
saúde perfeita, prática diária de longas
caminhadas, Sebastião Mendes, o nosso Ducho, comerciante
e artista, intelectual e exemplo de família, é
o melhor exemplo de companheirismo, é o melhor exemplo
vivo da soberania e da sóbria distinção
do sertanejo dos Montes Claros. Um maravilhoso exemplo!
WAGNER
DURÃES
.........Por mais que eu procure
explicação para mim mesmo, não compreendo
porque demorei tanto na análise e revisão da produção
poética de Wagner Durães. Há mais de dois
anos, tenho praticamente sobre a mesa do escritório os
originais dos seus poemas, vejo-os e revejo-os, gosto muito
de todos eles, mas nunca coloco a profundidade de exame, a ponto
de dar a tarefa por terminada. Quantas vezes não ensaiei
explicações a Juvenal e a Rosa, desculpando-me
pelo atraso, e acabei não falando nada! Quantas vezes
tentei iniciar este comentário e não me foi possível!
Não sei e não sei, são as incógnitas
do destino ou da própria vida. Mas não choremos
o leite derramado, que choro nenhum devolve o leite à
leiteira. Vamos em frente.
.........Wagner foi um jovem de
muita fé, muita segurança íntima, um crente
fiel na sua destinação de pregar a si mesmo e
aos outros as maravilhas da existência de Deus. Um Deus
bem justo. Era dele uma filosofia que nasce à beira do
caminho mescladas de interrogações, no geral,
sempre afirmativa, concludente da onipotência, da onisciência
e, sobretudo, da onipresença do Criador dos mundos.
.........“Às vezes,
penso que o Senhor errou. Por isso lhe peço perdão.
Mas que eu, antes de entender, confio no Senhor e no amor que
me faz pensar assim. Sou muito feliz, Deus! Entendo tudo agora.
E que em todos os meus erros, eu esteja tentando acertar”.
.........De
grande riqueza temática, inclusive nas composições
musicais de parceria com Luciano, Chico e Claudionor, Wagner
quase sempre se apresentou otimista, numa solidão poética
muito próxima de uma espécie de paraíso
perdido, assim como que um saudade atávica e uma busca
constante da felicidade ao mesmo tempo distante e à mão.
A Deus pedia na constância da humildade o pão da
alegria, a pureza de sentimentos, estivesse falando da fé
religiosa ou da namorada. “Eu não gosto de ficar
triste. Sempre fui enganado pela claridade da lua. Agora aparece
o sol. Não vejo direito, meu entusiasmo me cega. Que
eu esteja certo, e que toda a sabedoria do mundo ouse me condenar.
E que ela esteja errada. E mais, que as luzes do sol e da lua
juntas, esse amor ilumine, e me mostre o caminho, para que eu
chegue até você, Deus”.
.........Veja você um bilhete
que ele intitula de “Meu Amor”. A poesia existe.
Ela sempre existiu. Nunca foi perdida, nunca foi tirada, sempre
existiu. Talvez, os corações impuros pensem ao
contrário. Talvez, as almas vazias acreditem no contrário.
Mas, eles estão errados. Você me ama, eles são
insensíveis a isto. Eu a amo, eles continuam insensíveis.
Se você sonha me ter a vida toda e também pela
eternidade a fora, eles não conseguem perceber e então
não devemos nos entristecer. Isto não pode nos
afetar, senão, seria uma prova de que nós não
somos evoluídos ainda. Meu amor, a poesia existe, pois
o amor existe entre nós e o amor é a única
poesia possível. As outras são falsas, não
existem”. (15.01.81)
.........Não deve demorar
muito a publicação de todos os escritos de Wagner
Durães, que passou para o Mundo Maior aos vinte anos,
deixando muita saudade e um importante ideário de crença
em Deus. Em tudo há poesia, desde que começou
a escrever com intenções de escritor de treze
anos. Sua vida, nem precisa dizer, foi um hino de amor à
família, aos amigos, à namorada e à humanidade.
Viveu pouco em termos de calendário, mas cumpriu um destino.
O destino de deixar palavras de conforto e sabedoria.
ALGUNS
DOS CONSTRUTORES DE MONTES CLAROS
.........Uma cidade é construída
por muitas pessoas, com muitas ideias, muito planejamento e
um trabalho praticamente infinito. Da primeira casa, primeira
igreja, primeiro largo ou arruamento até a limpeza pública
dos bairros mais distantes muita energia administrativa e política
teve que ser utilizada. Em múltiplos setores, pessoas
e grupos exercitaram o dia-a-dia e o processo histórico,
uns mais do que outros, dependendo – é claro –
do amor à cidade e da visão de progresso. Poderes
executivo, legislativo, judiciário, cada qual no seu
papel.
.........Quais os momentos e quais
os destaques mais marcantes na vida de Montes Claros? Quando,
quem, o quê, quanto, como e por quê? Importantíssimo
a decisão de construir a catedral bem depois do Largo
de Cima, que é hoje a Praça Doutor Carlos, não
só pela ousadia do empreendimento – igreja para
três mil fieis - exatamente o mesmo número de habitantes
da pequena cidade, isso lá pelos dias de mudança
do século XIX para o XX. Pouco mais de duas décadas
depois – 1926 - a chegada da Central do Brasil e a fundação
do Rotary Clube, primeiro de Montes Claros, terceiro do Brasil.
A partir de 1939, a continuação da linha de ferro
para ligar Sul e Norte, encontro de trilhos com a Nordeste do
Brasil em Monte Azul. Entre os diversos prefeitos, palmas para
o bom trabalho do dr. Alpheu Gonçalves de Quadros.
.........A partir de 1951, o Capitão
Enéas Mineiro de Souza, fundador de cidades, administrador
notável, a cidade que tinha apenas duas ruas calçadas
de paralelepídos: a Presidente Vargas e a Simeão
Ribeiro – teve todo o seu centro vital pavimentado, poeira
acabada até a Rua Barão do Branco. Comemoração
do Centenário, a cidade ganha alma nova, respondendo
ao chamado do historiador Hermes de Paula, prefeitura, industriais,
comerciantes, fazendeiros, gente do povo – todo mundo
trabalhando a todo vapor. Calçamentos de blocret, abertura
da Avenida Geraldo Athayde, trabalho para inaugurar o Parque
João Athayde com o grande formato da exposição
agropecuária, que perdura até hoje. A partir de
1966, a maior revolução administrativa, quando
assumiu o prefeito Antônio Lafetá Rebelo, candidato
único e sem compromissos políticos partidários,
o que lhe oportunidade de expandir a cidade em todas as dimensões,
com a construção do Parque Municipal, da Rodoviária,
da Avenida Plínio Ribeiro, Avenida João XXIII,
e mais do que tudo da Avenida Esteves Rodrigues, a espinha dorsal
do novo projeto urbano. Com Toninho (dois mandatos), tivemos
o incentivo à inteligência e à arte, com
o que ele considerava um presente, o até hoje moderno
Centro Cultural, na Praça da Matriz.
.........Joao F. Pimenta, Simeão
Ribeiro Pires, Pedro Santos, Moacir Lopes, Luiz Tadeu Leite,
Mário Ribeiro, Athos Avelino Pereira e até os
substitutos de curta duração, José Maia
Sobrinho, João Melo, Ivany Pereira, Iran Rego, Cristina
Pereira, como presidentes da Câmara ou como vice-prefeitos,
todos tiveram os seus momentos de considerável trabalho
para o desenvolvimento da cidade. Simeão merece louvor
pela visão cultural, pela ajuda à fundação
do Conservatório Lorenzo Fernandes, pela fixação
de normas para a construções de casas e de prédios,
a melhor delas o afastamento de três metros do alinhamento
das ruas e as distâncias entre uma construção
e outra. Luiz Tadeu Leite com a cobertura de grande parte da
Avenida Esteves Rodrigues, de grande efeito urbanístico,
a construção do prédio da prefeitura, o
ginásio poliesportivo, muito de pavimentação
dos bairros. Mário Ribeiro com a construção
da maior parte da Avenida Sidney Chaves e a abertura para o
que hoje é chamada de administração solidária.
Notável a administração de Jairo Athayde,
com grandes feitos, entre os mais importantes a Avenida José
Correia Machado. Athos Avelino Pereira realizou muito e muito
no centro da cidade e deixou em grande parte implantada um bom
número de avenidas sanitárias, embora passíveis
ainda de acabamento. Uma marca especialíssima é
a de Ivany Pereira: foi ele que assinou o convênio para
a vinda da Copasa, em substituição a Caemc e a
Caene, já defasadas para a situação da
sua época. Ele atendeu a uma reivindicação
de representantes da Loja Maçônica Deus e Liberdade
e dos Rotary Clubs de Montes Claros, de que eu tenho uma lembrança
perfeita, porque dela fiz parte.
.........Mas nem só de prefeitos
vive uma cidade. Com o pedido de perdão por algum esquecimento
e omissões, temos que agradecer muito às lideranças
culturais e sociais de Plínio Ribeiro, Joaquim Costa,
José Prudêncio de Macêdo, Jair Amintas, José
Esteves Rodrigues, Dulce Sarmento, Artur Jardim de Castro Gomes,
Sebastião Sobreira, João Chaves, Athos Braga,
José Gomes de Oliveira, Geraldo, João Alencar
e Antônio Augusto Athayde, Osmani e Neném Barbosa,
Nozinho Figueiredo, Francolino Santos, Georgino Jorge de Souza,
Arthur e Antônio Loureiro Ramos, João Valle Maurício,
Júlio de Melo e Franco, Carlos Gomes da Mota, Valdeir
Correia, Olyntho e Yvonne Silveira, Luiz de Paula Ferreira,
Maria Luiza Silveira, Fábio Lafetá Rebello, Marina
Lorenzo Fernandez, Arlen Santiago, João Bosco Martins
de Abreu, Jamil Cury, Petrônio
Braz, Alexandre Pires Ramos, Raimundo Avelar, Mauro Carvalho
Lafetá, José Carlos de Lima, Marcelo Furtado,
Isabel Rebelo de Paula, Baby Figueiredo Sobreira, Irmã
Beata, Dário Teixeira Cotrim, José Geraldo de
Freitas Drumond, Paulo César G. Almeida, Raimundo Nonato
de Freitas Júnior, Sérgio Quadros, Gilson Caldeira,
entre muitos. Permita-me terminar dando um parecer muito pessoal,
porque sempre achei que a melhor apresentação
da sociedade montes-clarense é devida ao trabalho da
imprensa, entre os redatores Waldir Sena Batista e Décio
Gonçalves, e entre colunistas o trabalho magnificamente
iniciado por Lazinho Pimenta, Theodomiro Paulino e Magnus Medeiros,
de todos os mais antigos no jornalismo. E que Deus nos proteja!